Steven Patrick Morrissey foi o vocalista
que junto ao guitarrista Johnny Marr compôs todas as músicas da banda inglesa The
Smiths (formada em Manchester). O grupo esteve ativo entre 1982 e 1987, depois
de desfeito, Morrissey lançou-se em carreira solo e assim permanece até hoje,
tendo realizado shows no Brasil em novembro de 2015. Ele rejeita qualquer
possibilidade de reunir o seu antigo grupo, mas tanto ele quanto Johnny Marr,
também em carreira solo, cantam as músicas dos Smiths em seus shows, agregando
material próprio.
Principais características de
Morrissey como letrista:
- Sarcasmo: letras cheias de
humor mordaz que dão a falsa impressão de serem depressivas ou violentas,
quando são, na maioria, apenas irônicas, mas de uma ironia cáustica.
- Vocabulário incomum: faz
questão de palavras que não se usam no cotidiano da língua inglesa. Também, às vezes,
construções sintáticas ou semânticas pouco usuais, como por exemplo, a palavra “handsome”
que para ele é sem gênero, como afirmou uma vez. Gosta de palavras “antigas” e
justifica isso quando canta: “Veja como as palavras tão antigas quanto o pecado
se encaixam em mim como uma luva” (música: The hand that rocks the cradle).
- Discurso sem gênero: ele prefere
fazer letras sem especificações de gênero para que o público, masculino e
feminino, se interesse e se identifique. Mas isso não é uma regra.
- Sem rimas: nem sempre faz questão de rimar os
finais das palavras, demonstra mais preocupação com o conteúdo do que com a
forma.
- Discurso direto: ainda que use
metáforas, não é muito simbólico nem fantasioso. Sua poesia “toca na ferida”; é
provocante, causa impacto ao ponto de gerar admiração ou rejeição imediata. É uma
poesia corajosa, desnudada, sem receios de julgamento, simples e feroz,
sentimental e indiferente, de estilo ousado e marcante.
- Temas recorrentes nas letras dos Smiths: as relações
amorosas, a timidez, a morte (às vezes, desejando-a), a política (em especial a
crítica à monarquia inglesa), a violência (na escola, no futebol, no cotidiano;
contra os animais, contra a mulher etc).
Sua vida pessoal influencia
grandemente o conteúdo das letras. Algumas delas remetem a experiências
traumáticas vividas no período escolar e infância, exemplos são “The headmaster
ritual” e “Barbarism begins at home”. Morrissey é vegetariano e defensor dos
animais (Meat is Murder é um dos discos mais célebres dos Smiths). Também é um crítico
ácido da família real inglesa e de outras personalidades políticas (The Queen
is Dead é outro álbum célebre da banda). Sua sexualidade é especulada até hoje
(Morrissey atualmente tem 56 anos), mas tudo o que se lê ou se ouve sobre esse
assunto ainda provoca mais dúvidas. Por exemplo, ele já se declarou celibatário
nos anos 80 e em 2013 afirmou: “sou humanossexual – sinto atração por seres
humanos, mas não muitos”. Tudo parece misterioso e incomum em sua vida
particular, mas sua poesia gera uma notável identificação ou admiração nas
pessoas. Os shows de Morrissey ficaram célebres devido ao número incrível de
pessoas que constantemente invadem o palco para tocá-lo. Seu nome é cantado em
coro pelo público como os hinos de times ingleses de futebol.
Principais influências de
Morrissey
Literária: o escritor irlandês Oscar
Wilde (Morrissey é um leitor ávido de literatura);
Musical: a banda de punk rock New
York Dolls
Principais influenciados
A Legião Urbana, grupo de rock
brasileiro surgido na década de 1980. É possível notar claramente a influência
de Johnny Marr na guitarra de Dado Villa-Lobos, mais ainda a influência de
Morrissey no estilo de Renato Russo. Todavia, o fundador da Legião Urbana soube
criar um estilo próprio a partir de várias influências (desde os Beatles até o
punk rock) e foi brilhante como compositor e vocalista.
Obs: Vale dizer que o estilo de
Marr na guitarra Rickenbacker foi influenciado pelo som dos anos 60, em
especial da banda americana The Byrds e das guitarras de George Harrison no
início dos Beatles. Sua batida às vezes lembra o Creedence Clearwater Revival. No
lugar das distorções pesadas, Marr optou por ser um guitarrista sutil, agregando
sentimento e energia às letras de Morrissey.
Outros fãs conhecidos dos Smiths:
o cantor e compositor Cazuza (falecido em 1990), Noel Gallangher (outro famoso beatlemaníaco,
guitarrista e compositor da banda inglesa Oasis), Radiohead (outra banda
inglesa), The Cranberries (banda irlandesa), Smashing Pumpkins (banda americana), The Pretenders (banda inglesa), Bono Vox (vocalista do U2), a escritora J.K. Rowling (notória autora dos livros de Harry Potter), Belle & Sebastian (banda escocesa), entre outros.
Por que "The Smiths"? Segundo o
próprio vocalista, o nome da banda foi definido assim porque “Smiths é um sobrenome
comum (na Inglaterra) e é hora das pessoas comuns mostrarem a sua cara”.
Ironicamente, as capas dos discos nunca traziam fotos de pessoas comuns ou da
própria banda, mas sempre celebridades do cinema como James Dean, Elvis Presley
entre outros atores e atrizes do gosto de Morrissey.
Citações de trechos de suas
letras com The Smiths:
“Uma cama de casal e um(a) amante
vigoroso(a) são as riquezas do pobre”
(I want the one I can’t have)
"Então eu encontro você nos
portões do cemitério. Keats e Yeats estão do seu lado, enquanto Wilde está do
meu... Gravemente lemos as lápides. Todas estas pessoas, todas estas vidas,
onde estão agora?... Você diz: "Aqui três vezes o sol prestou saudação à aurora"
E você alega que estas palavras são suas, mas eu sou muito instruído e já as
ouvi uma centena de vezes... Se você tem que escrever prosa/poesia as palavras
usadas devem ser as suas próprias. Não plagie ou pegue emprestado, porque há
sempre alguém em algum lugar que é narigudo e sabe" (Cemetery Gates)
"Quando você ri de pessoas
que se sentem tão sozinhas que o único desejo delas é morrer, eu lamento que
isso não me faz sorrir. Eu queria poder rir, mas essa piada perdeu a graça”
(That joke isn't funny anymore)
(That joke isn't funny anymore)
“Cante para eu dormir e depois me
deixe sozinho. Não tente me acordar de manhã, porque eu terei partido. Não se
sinta mal por mim” (Asleep)
“E se um ônibus de dois andares
colidisse em nós: morrer ao seu lado, que jeito divino de morrer!” (There’s
a light that never goes out)
“Eu gostaria de sair hoje à noite,
mas não tenho um trapo para vestir. E aquele homem disse: - é horrível que
alguém tão bonito(a) ligue para isso” (This charming man)
“Bons tempos, só pra variar. Entenda,
a sorte que eu venho tendo pode fazer um homem bom se tornar mau” (Please Please
Please let me get what I want)
“E ela disse: - Eu fumo porque
estou ansiando por uma morte precoce e eu preciso me agarrar a algo” (What she
said)
“Eu sei que acabou e na verdade
nunca começou, mas em meu coração era tão real. E você até falou comigo e
disse: - Se você é tão engraçado, então por que está sozinho à noite? E se você
é tão esperto, por que está sozinho à noite? E se você é tão divertido, por que
está sozinho à noite? E se você é tão bonito, então por que dorme sozinho hoje
à noite? - Eu sei, porque essa noite é exatamente como todas as outras noites”
(I know it’s over)
“Noite passada eu sonhei que
alguém me amava. Nenhuma esperança, nenhum dano, apenas um alarme falso” (Last
night I dreamt that somebody loved me)
“Eu sou o filho e o herdeiro de
uma timidez que é criminosamente vulgar”
(How soon is now?)
“A timidez é legal, mas a timidez
pode te impedir de fazer todas as coisas que você gostaria de fazer na vida.
Ser reservado é legal, mas ser reservado pode te impedir de fazer todas as
coisas que você gostaria de fazer na vida” (Ask)
“Você tinha que invadir
furtivamente meu quarto apenas para ler o meu diário, só para ver, só para ver
todas as coisas que você sabia que eu tinha escrito sobre você” (Suedehead)
* Todas letras citadas são de canções
dos Smiths, exceto Suedehead que é do álbum de estreia de Morrissey em carreira
solo (1988).
Vistas assim, fora de contexto,
as letras expressam muita tristeza, revolta e sentimentos depressivos/violentos,
mas, como eu disse, há também uma ironia aí. Isso fica mais claro em canções
como “Sweet and tender Hooligan” e “Bigmouth strikes again”. Na primeira ele
critica os hooligans (torcedores violentos) e na segunda denuncia o homem que
bate em mulher, mas para fazer isso de modo majestosamente poético, ele ironicamente
assume um eu lírico que toma o ponto de vista de quem está sendo
criticado/denunciado e assim expõe as fraquezas e contradições de seus alvos de
crítica. Em outras canções com teor mais autobiográfico o compositor consegue
transpor sentimentos e imagens comuns para envolver o público na sua poesia,
fazendo o sentimento de um se assemelhar ao sentimento de todos. Não só pelas
letras, mas Morrissey também cativa o público tocando-o na mão, chamando ao
palco, dançando loucamente, fazendo caretas e interpretando a canção com o
sentimento que tiver disponível no momento da apresentação.
Outros exemplos de sua ironia são
vistas nas canções “Shoplifters of the world” e “Panic”. Na primeira ele modifica
a célebre expressão marxista “Trabalhadores do mundo, uni-vos” substituindo “trabalhadores”
por “ladrões de loja” (como metáfora). E em “Panic” ele se utiliza de uma
expressão idiomática inglesa: hang the DJ, isto é, “enforque o DJ, porque a
música que eles tocam não diz nada sobre a minha vida” (na verdade, mais do que
uma crítica à discoteca, denuncia o seu próprio desajuste social, o que o leva
ao pânico/fobia social numa época conturbada – Inglaterra, anos 80).
Em suma, o eu lírico/poético de
Morrissey deve ser interpretado com cuidado, melhor ainda, compreendido antes
de qualquer conclusão. Quanto ao seu eu de carne e osso, este parece que morrerá
como viveu: misterioso, recluso, polêmico, mas inofensivo até onde se sabe.
Ainda sobre The Smiths, vale destacar
a óbvia genialidade e criatividade do guitarrista para bolar bases musicais, a
perícia do baixista ao fazer seu instrumento se destacar em quase todas as
faixas, dando-as um brilho refinado, e o entrosamento do baterista ao
adaptar-se a qualquer estilo, mostrando versatilidade e energia rítmica.
Morrissey – voz e composições
(melodia e letra)
Johnny Marr – guitarra e
composições (base musical, harmonia etc)
Andy Rourke – baixo
Mike Joyce – bateria
Apesar de todas as composições
dos Smiths serem atribuídas a Morrissey e Marr em parceria, Rourke e Joyce
contribuíram valorosamente para os arranjos musicais na parte do baixo e da
bateria. É evidente que Morrissey era o gênio por traz das letras e carisma da
banda, enquanto Marr o gênio musical, um guitarrista que não se preocupava com longos
solos, mas seus arpejos preenchiam todos os espaços possíveis soando como um
quarteto de cordas, valorizando a voz grave de Morrissey. Mas não seria a mesma
coisa sem o baixo de Rourke, que não se limitava em marcar a nota do acorde nem
a fazer riffs (imitando a guitarra), mas procurava preencher espaços onde a
guitarra não poderia estar, enquanto a bateria de Joyce com seu sonoro bumbo se
encaixava perfeitamente a tudo. Estes últimos elementos fizeram toda a
diferença no som da banda.
The Smiths foi um daqueles poucos
grupos que não se encaixava numa tendência musical, eles arriscavam e criavam
suas próprias. Seu estilo é único e facilmente reconhecível. Embora identificado
como rock independente, alternativo, pós-punk, não soava como a nenhuma outra
banda da época.
Da esq para dir: Rourke, Morrissey, Joyce e Marr (The Smiths) |
A paixão de Morrissey por animais |
Cazuza - fã dos Smiths |