1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto in A educação pela pedra (1966).
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto in A educação pela pedra (1966).
João Cabral de Melo foi um diplomata e poeta pernambucano. Como um exemplo de sua obra modernista, temos
o poema acima, que, neste caso, não apresenta métrica [número fixo de sílabas
poéticas] nem rimas externas.
Apesar de não se concentrar em formas fixas tradicionais [como
sonetos, odes etc] esses versos trazem outras figuras sonoras; como a repetição
de certas palavras, sílabas e fonemas.
Neste poema, o autor usa os
cantos dos galos como metáfora de união,
no mesmo sentido do ditado popular “uma andorinha só não faz verão”.
Assim como o ditado coloca a
vinda as andorinhas como causa do verão, e não como sua consequência, João Cabral
colocou os cantos dos galos como causa do amanhecer, embora saibamos haver uma
inversão entre causa e consequência. Na realidade, o galo canta porque
amanhece, e não o oposto.
Com esse efeito, o poeta pretende
enfatizar a união como um bem, uma
força, uma virtude.
Um galo sozinho não
tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele [lançou]
e o lance a outro [...]
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele [lançou]
e o lance a outro [...]
E assim, sucessivamente, um galo lança
seu canto a outro galo e eles vão tecendo
o amanhã. O poeta usa o verbo tecer,
porque ele compara os cantos dos galos a “fios de sol” (verso 8), e assim,
materializando esses cantos em uma imagem: os cantos dos galos como fios do amanhecer.
[...] se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo [...]
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo [...]
O conjunto de cantos forma um conjunto
de fios que tece o céu matutino, que o poeta compara a teia, tela, tenda e
toldo. Aqui há uma gradação crescente,
isto é, uma figura de linguagem que mostra um processo crescente; do fio à teia,
da teia à tela, da tela à tenda, da tenda ao toldo.
[...] a manhã, desde
uma teia tênue,
se vá tecendo (1ª estrofe, linhas 9 e 10)
se vá tecendo (1ª estrofe, linhas 9 e 10)
E na segunda estrofe, linhas de 1
a 4:
E se encorpando em
tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã)
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã)
Finalmente se tem o toldo, isto
é, o céu matutino comparado a um longo tecido acima de uma superfície, acima de
todos. Nesses versos, o João Cabral faz um jogo fonético entre as palavras “todos” e “toldo”. E além da
aproximação semântica que o poeta criou entre as palavras “teia”, “tela”, “tenda”,
“toldo”; também há semelhança fonética entre elas: teia, tela, tenda toldo.
Ainda no mesmo trecho, há uma palavra criada pelo autor: "entretendendo", gerúndio do verbo "entretender". Antes desse neologismo aparecer, a estrofe trouxe as palavras "entre" (preposição) e "entrem" (verbo). Então, morfologicamente, o neologismo seguiu essa tendência formal. Já no campo semântico, ele pode ter o significado de entreter + tender.
Nos versos seguintes, há um jogo
semântico entre 1-tecido [substantivo
masc.] e 2-tecido [verbo no
particípio passado]:
A
manhã, toldo de um tecido¹ tão aéreo
que, tecido², se eleva por si: luz balão.
que, tecido², se eleva por si: luz balão.
No último verso, o autor define
esse toldo como “luz balão”. Isto é uma figura imagética, algo que estimule a
imaginação do leitor sobre esse tecido aéreo em movimento, se elevando como um
balão.
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