sábado, 3 de setembro de 2011

Alteregos


Do latim, alter (outro) e ego (eu).

Outro eu: cada um tem o seu?

Na mitologia, o deus Jano tinha duas faces, uma apontada para o passado e outra para o futuro. Daí  veio a origem etimológica do mês de “janeiro”.


Jano


A literatura dos quadrinhos criou vários exemplos que se tornaram famosos, como o Dr. Bruce Banner (em outras versões David Banner) e o seu alterego, o incrível Hulk. Neste exemplo, o alterego é evidente, não só pela transformação psicológica, como também pela mutação física.




O livro de ficção científica O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde (no Brasil, O Médico e o Monstro) escrito pelo escocês Robert Louis Stevenson e publicado originalmente em 1886 talvez tenha servido de inspiração para os criadores de Hulk.

Outro exemplo famoso dos quadrinhos é o de Bruce Wayne (milionário) e seu alterego Batman (o homem morcego, o homem sem medo, o cavaleiro das trevas). Particularmente, esses dois me recordam muito Don Diego De La Vega e seu alterego Zorro, personagens da literatura norte-americana, criados em 1919 pelo escritor Johnston McCulley.

A literatura em geral, especialmente a modernista, trata exaustivamente do tema, levando-o ao extremo imaginável. Mas não são apenas as personagens que manifestam alteregos. O poeta Fernando Pessoa desenvolveu vários alteregos, ou melhor, heterônimos (autores fictícios com personalidades distintas; história, características literárias e traços físicos próprios). Portanto, foram muito além de apenas pseudônimos (falsos nomes). Dentre esses heterônimos, os mais conhecidos são:

Alberto Caeiro – loiro, olhos azuis, instrução primária, poeta da natureza e crítico da metafísica. Autor de 104 poemas. Utilizava-se de objetividade e linguagem simples.

Ricardo Reis – médico e poeta neoclássico, estóico e epicurista. Fazia muitas referências ao paganismo greco-romano. Por ser monarquista, exilou-se espontaneamente no Brasil depois que Portugal se tornou uma república.

Álvaro de Campos – engenheiro e poeta vanguardista, cosmopolita e muito subjetivo. Sua obra foi marcada por três fases: decadentista, futurista e niilista.

E finalmente, o próprio Fernando Pessoa (o ortônimo) – poeta do saudosismo português com uma veia voltada para o ocultismo e o misticismo.


As várias pessoas de Pessoa.

No cinema, o Clube da Luta (Fight Club, EUA, 1999) é o filme mais curioso de que posso me recordar agora. Não conto mais aqui para não estragar a trama.

Na música, o caso mais curioso está relacionado ao grupo The Doors, e mais especificamente ao seu vocalista, Jim Morrison. O tecladista Ray Manzarek afirmou que o cantor teria desenvolvido duas personalidades:

Jim – poeta criativo, amigo, divertido, contagiante, inteligente.
Jimbo – alcoólatra, sarcástico, autoconfiante, agitador das multidões.


O sorriso irônico: Jim ou Jimbo?

Na adolescência, Morrison recebeu uma correspondência escolar que o descrevia como sendo um jovem tímido e centrado em si mesmo.

Ele fez testes de QI na escola e obteve a pontuação de 149 (onze pontos abaixo de Albert Einstein). Na classificação proposta por Lewis Terman, o QI acima de 140 denota genialidade. Na classificação, originalmente proposta por Davis Wechsler, o QI acima de 127 denota superdotação.

Esse garoto, leitor de Nietzsche e Rimbaud, quando começou a se apresentar era tão inseguro que não conseguia encarar a platéia de frente, preferindo cantar com os olhos fixos na banda e de costas para o público. Ele nunca teve treinamento vocal.

Mas Jim passou por uma metamorfose. Incorporando um índio num ritual xamanístico, ou drogando-se cada vez mais, fato é que Jim foi aos poucos se tornando Jimbo.

O cantor referiu a si mesmo na música L.A. Woman como Mr. Mojo (na língua inglesa, mojo é uma gíria para libido ou charme). Morrison repetia insistentemente os versos: “Mr. Mojo risin” que numa tradução livre seria algo como “ O Sr. Garanhão está ressurgindo”. Repare que esse verso é um anagrama perfeito do nome “Jim Morrison”.

Ray Manzarek, que era adepto da meditação, disse ter visto a energia psíquica de Jim deixar o seu corpo. Isso aconteceu na última apresentação da banda ao vivo.

Jim Morrison, autor de livros de poesia e vocalista dos Doors, morreu em Paris, com 27 anos de idade. (Pouco antes dele foram Jimi e Janis, também aos 27).

E os nossos vários perfis e avates que criamos e dos quais dispomos na internet. Não seriam eles também alteregos da nossa persona?

Cada pessoa tem várias faces, cada uma adaptada a um contexto social específico.



“O mundo todo é um palco e nós meros atores”.
(parafraseando Shakespeare)



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