O signo linguístico é ideológico.
Ele nasce a partir de um contexto temporal (histórico), espacial (geográfico),
social, político, econômico e cultural. Também a comunicação é ideológica,
porque, da mesma forma, nasce a partir de um lugar, uma história, um contexto,
logo, é discurso.
Para entender melhor o conceito
de ideologia, leia aqui a publicação
de 30 de julho de 2015.
Visando a explicar didaticamente
o conceito de discurso, proponho um
exemplo imagético. Numa árvore repleta
de macacos, cada qual vivendo fixamente sobre um galho, cada macaco aponta e
expressa ideias sobre o galho do outro ou sobre toda a árvore. O galho
representa o contexto histórico-geográfico-político-econômico-cultural
diferenciado a que cada macaco pertence. O galho, portanto, determina a
estrutura moral, cultural e emocional do macaco. A ideia que cada um faz sobre
o galho do outro ou sobre toda a árvore é o discurso. A árvore é a superestrutura histórico-geográfica na qual
os macacos estão inseridos e por ela são determinados e condicionados. O
conjunto de ideias expressadas é a superestrutura ideológica: moral-política-religiosa-cultural.
Este conjunto de ideias (a ideologia) rege a consciência daqueles seres, ou
seja, a forma de pensar sobre si e sobre o mundo e de se expressar, porém,
limitados pelo paradigma da superestrutura: a árvore em que habitam.
A filosofia de Sócrates, o
materialismo histórico dialético e a psicanálise contribuem respectivamente
para que cada macaco perceba: 1- a própria ignorância sobre a árvore como um
todo e a insustentabilidade de seus argumentos ao analisar o galho alheio do
ponto de vista de seu próprio galho; 2- a necessidade de pensar criticamente
para além da árvore, entendendo como ela determina e condiciona o discurso e o
modo de viver; 3- a fragilidade de seu próprio galho, o qual enganosamente o
macaco considera ser rígido o suficiente para sustenta-lo para sempre (neste caso, o
galho representando a relação entre o sistema de valores morais e as emoções do
primata).
Porém, mesmo com todas as
filosofias, as teorias críticas, as ciências, a psicanálise e as psicologias, o
macaco não pode enxergar muito além de seu próprio galho, tampouco contemplar
toda a árvore do galho em que ele está desde quando nasceu, onde ele mora hoje
e lá um dia morrerá. Ainda que o macaco seja muito crítico, ele não pode erguer
o próprio galho onde ele se senta, o qual sustenta seu corpo, muito menos
erguer ou derrubar a árvore sem descer de seu galho. O contexto pré-determinado
de seu nascimento (o galho) e a superestrutura (a árvore) são uma conditio sine qua non da existência do
macaco (considerando que todo o seu mundo é uma árvore e seu galho é uma parte
desse mundo). Portanto, a visão desses macacos imagéticos é ad infinitum ideológica e o que eles
expressam é discurso.
Além disso, a consciência deles
está reduzida a uma visão parcial sobre o todo. Esta lacuna é necessariamente preenchida pela
especulação, religião e expressões artísticas.
O signo linguístico é ideológico.
Mas a língua na literatura não é mais um discurso ou “o Discurso” sobre moral,
estética, sociedade, amor etc. Este papel de insucesso cabe às ciências,
filosofias etc. A literatura, como todo o resto, também é ideológica, mas o seu
papel não é (ou não pode ser) o de criar discursos, mas sim, apenas ser,
existir, mostrar-se, estar o quanto tiver de estar, ser infinita enquanto dure e assumir sua efemeridade por ser
apenas expressão fiel de emoções momentâneas (e comuns a todos, por isso
eternas), sem a intenção de ser uma verdade ou a Verdade, o que a colocaria
como mero discurso, mas, ao contrário, sendo assumidamente uma ficção sobre
tudo – o ser, a sociedade e o mundo –, tendo como ferramenta de trabalho todas
as ciências, filosofias e religiões. A literatura, pelo menos enquanto catarse poética
e solitária, assume para si o papel de ser uma ironia do discurso, não sendo
mais um discurso ou antidiscurso, mas apenas uma ironia que não pretende mais
do que ornar sua própria ironia, como uma macaca que se enfeita sem se
interessar por nenhum macaco.