sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Discurso, macacos e literatura

O signo linguístico é ideológico. Ele nasce a partir de um contexto temporal (histórico), espacial (geográfico), social, político, econômico e cultural. Também a comunicação é ideológica, porque, da mesma forma, nasce a partir de um lugar, uma história, um contexto, logo, é discurso.

Para entender melhor o conceito de ideologia, leia aqui a publicação de 30 de julho de 2015.

Visando a explicar didaticamente o conceito de discurso, proponho um exemplo imagético.  Numa árvore repleta de macacos, cada qual vivendo fixamente sobre um galho, cada macaco aponta e expressa ideias sobre o galho do outro ou sobre toda a árvore. O galho representa o contexto histórico-geográfico-político-econômico-cultural diferenciado a que cada macaco pertence. O galho, portanto, determina a estrutura moral, cultural e emocional do macaco. A ideia que cada um faz sobre o galho do outro ou sobre toda a árvore é o discurso. A árvore é a superestrutura histórico-geográfica na qual os macacos estão inseridos e por ela são determinados e condicionados. O conjunto de ideias expressadas é a superestrutura ideológica: moral-política-religiosa-cultural. Este conjunto de ideias (a ideologia) rege a consciência daqueles seres, ou seja, a forma de pensar sobre si e sobre o mundo e de se expressar, porém, limitados pelo paradigma da superestrutura: a árvore em que habitam.

A filosofia de Sócrates, o materialismo histórico dialético e a psicanálise contribuem respectivamente para que cada macaco perceba: 1- a própria ignorância sobre a árvore como um todo e a insustentabilidade de seus argumentos ao analisar o galho alheio do ponto de vista de seu próprio galho; 2- a necessidade de pensar criticamente para além da árvore, entendendo como ela determina e condiciona o discurso e o modo de viver; 3- a fragilidade de seu próprio galho, o qual enganosamente o macaco considera ser rígido o suficiente para sustenta-lo para sempre (neste caso, o galho representando a relação entre o sistema de valores morais e as emoções do primata).

Porém, mesmo com todas as filosofias, as teorias críticas, as ciências, a psicanálise e as psicologias, o macaco não pode enxergar muito além de seu próprio galho, tampouco contemplar toda a árvore do galho em que ele está desde quando nasceu, onde ele mora hoje e lá um dia morrerá. Ainda que o macaco seja muito crítico, ele não pode erguer o próprio galho onde ele se senta, o qual sustenta seu corpo, muito menos erguer ou derrubar a árvore sem descer de seu galho. O contexto pré-determinado de seu nascimento (o galho) e a superestrutura (a árvore) são uma conditio sine qua non da existência do macaco (considerando que todo o seu mundo é uma árvore e seu galho é uma parte desse mundo). Portanto, a visão desses macacos imagéticos é ad infinitum ideológica e o que eles expressam é discurso.

Além disso, a consciência deles está reduzida a uma visão parcial sobre o todo. Esta lacuna é necessariamente preenchida pela especulação, religião e expressões artísticas.

O signo linguístico é ideológico. Mas a língua na literatura não é mais um discurso ou “o Discurso” sobre moral, estética, sociedade, amor etc. Este papel de insucesso cabe às ciências, filosofias etc. A literatura, como todo o resto, também é ideológica, mas o seu papel não é (ou não pode ser) o de criar discursos, mas sim, apenas ser, existir, mostrar-se, estar o quanto tiver de estar, ser infinita enquanto dure e assumir sua efemeridade por ser apenas expressão fiel de emoções momentâneas (e comuns a todos, por isso eternas), sem a intenção de ser uma verdade ou a Verdade, o que a colocaria como mero discurso, mas, ao contrário, sendo assumidamente uma ficção sobre tudo – o ser, a sociedade e o mundo –, tendo como ferramenta de trabalho todas as ciências, filosofias e religiões. A literatura, pelo menos enquanto catarse poética e solitária, assume para si o papel de ser uma ironia do discurso, não sendo mais um discurso ou antidiscurso, mas apenas uma ironia que não pretende mais do que ornar sua própria ironia, como uma macaca que se enfeita sem se interessar por nenhum macaco.

A função das ciências é muito objetiva: a manutenção da vida. A função das artes, religiões, filosofias e teorias da psique é dar um sentido a tudo, nem que seja pelo discurso, ou ao menos entreter e desmemoriar os primatas superiores de sua angústia existencial.


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Estilística e Estilo


Cada sujeito tem características que o torna único, seja na forma de se comunicar, comportar-se ou vestir-se. Popularmente, chamamos de estilo a esses aspectos singulares que transformam esse sujeito em um indivíduo destacado dos outros sujeitos sociais.

Porém, quando o assunto é a linguagem, adentramos no campo da Estilística, o ramo de estudos linguísticos que, como o próprio nome entrega, trata de entender o estilo de linguagem, suas peculiaridades, recursos e finalidade.

Dos ramos da Estilística podemos destacar a Estilística da Língua, que estuda a expressão diferenciada ou marcante na fala e escrita; e a Estilística Literária, que estuda os estilos de época, corrente literária, figuras de linguagem, autor e obra.

A Estilística verifica processos expressivos de natureza fonológica, morfológica, sintática e semântica que conferem singularidade ao texto. Assim, temos que considerar uma fonoestilística, que trata dos valores expressivos de natureza sonora; uma morfoestilística, que estuda a construção de palavras; uma estilística sintática, que analisa a construção de enunciados e uma estilística semântica, que examina os significados expressos nos enunciados.


Jales Amaral¹


A Estilística também pode analisar o estilo de um autor e de uma obra. Cada escrita contém marcas específicas que o autor imprime sem perceber, isto significa que a sua forma natural de se expressar pode conter traços que para ele talvez sejam imperceptíveis, mas que para o olhar aguçado de um especialista esses “traços” são claramente identificáveis como marcas de estilo. Há também aqueles autores geniais que conseguem imprimir propositalmente um estilo em um texto, calculando cada palavra para gerar aquela impressão específica no enunciado. Por exemplo, pode-se citar aqui o poeta Fernando Pessoa, seu ortônimo e heterônimos. Ao ler um de seus poemas, pode-se identificar qual de seus heterônimos o escreveu, sem que para isso necessite ver o nome do autor, mas baseando-se apenas no estilo de sua escrita.

A partir do estudo da Estilística o especialista pode chegar a várias respostas sobre questões literárias e linguísticas, o que auxiliam no aperfeiçoamento e enriquecimento dos estudos sobre língua e linguagens.


Érilly Maria Ferraz²

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¹ e ² Estudantes de Letras Português-Inglês (faculdade Multivix, unidade Serra-ES).


Trechos de trabalhos apresentados à disciplina de Estilística, 2015/2.
Orientação e revisão: prof. Renan.

domingo, 22 de novembro de 2015

Poesia, música e musa

Os poetas antigos cantavam seus versos de cor. A expressão "saber de cor" significa "saber de coração" (cor = coração em latim). Em inglês "saber de cor" se diz "know by heart" (= saber de coração).

As rimas, ritmo e métrica são algumas técnicas que facilitam a memorização dos versos. E assim, cantando, tanto as notícias quanto as tradições eram transmitidas por gerações.

Durante muitos séculos a poesia era feita para ser cantada (gênero Lírico).  Ainda hoje é assim, mas agora chamamos isso de “letra de música”, ou em inglês “Lyrics”.

Poesia e música sempre estiveram ligadas desde os primórdios. Alguns dos estilos poéticos mais consagrados desde a Antiguidade são: hino, ode (canto, em grego), elegia, cantiga, canção, madrigal, rondó, balada, redondilha, soneto (sonzinho, em italiano).

Etimologicamente, a palavra "música" se origina de "musa". 

As musas representavam a personificação das Artes, a quem os poetas pediam inspiração, enquanto que as ninfas representavam a personificação de elementos naturais. 



INVOCAÇÃO DAS MUSAS - Trechos selecionados das quatro grandes epopeias ocidentais:

Canta, ó Musa, a ira de Aquiles, filho de Peleu, que incontáveis males trouxe às hostes dos aqueus. (HOMERO, ILÍADA)

Ó divina poesia, mantenha viva para mim esta canção do homem [...] Faça com que essa história viva para nós [...] Conta-me, Musa, a história do homem, que, depois de destruir a sacra cidade de Troia, andou peregrinando larguíssimo tempo. (HOMERO, ODISSEIA)

Conta-me, musa, as causas (VIRGÍLIO, ENEIDA)

E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente [...]
Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou flauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa, [...]
Que se espalhe e se cante no universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.
(CAMÕES, OS LUSÍADAS)

Obs: Tágides é como Camões nomeia as Musas do rio Tejo (ou ninfas do Tejo, por também personificarem um elemento da natureza: o rio).

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Antes tarde do que nunca...

Acho que finalmente consegui cumprir a tarefa-desafio para a disciplina de Sistemas Nacionais e Internacionais de Comunicação ministrada pelo prof. Dr. J. Edgard Rebouças em 2004 enquanto eu ainda cursava a faculdade de Comunicação Social, turma de Publicidade e Propaganda.

A tarefa consistia em construir uma analogia entre as relações capitalistas das empresas de comunicação e o poema "Quadrilha" de Carlos Drummond de Andrade. Mas antes de continuar, quero postar aqui outro poema de Drummond:



Voltando ao poema "Quadrilha", ele foi acertadamente bem analisado e explicado pelo professor em sala de aula. Depois, em casa, após dias de muita pesquisa e leitura sobre compras, vendas, sociedades e fusões entre empresas, e após várias tentativas frustradas de construir o paralelo entre a história das empresas e o poema, o melhor resultado só veio agora em 2015. Ficou assim:



A Globo amava o Bradesco
que amava a Samarco 
que amava a Vale 
que não amava ninguém. 

A Globo foi para a França, 
o Bradesco correu para a bolsa, 
a Samarco poluiu o Rio Doce 
que morreu de desastre 
e a Vale foi vendida por F. Henrique Cardoso 
que não tinha entrado na história.

 
Jornal de Brasília, coluna "Esplanada", de Leandro Mazzini. Edição 14508 de 17/11/2015, página 15.



















Agradecimentos:

Ao prof. Edgard - obrigado pelas aulas que tanto me acrescentaram e cujo conteúdo ainda guardo na memória e nos cadernos.

E aos meus colegas formandos de 2005.




segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Poesia em prosa

Folhas de outono me dão calafrios. Isso porque não consigo associá-las a outra coisa senão a momentos. Lembranças. Passado perdido, jogado ao vento. Momentos vividos, outrora tão vivos, agora distantes, tomados de um fogo tão frio. Eu me lembro dos momentos verdes e do sol que os aquecia, o calor reconfortante, a brisa que percorria a pele e a sensação de vida que esconde um futuro inevitável. Mas, quem se lembra de folhas secas, quando se tem momentos verdes? O tempo é ardiloso, sorrateiro, mas não mente. A culpa é da alma, que escolhe ignorar a mudança no clima e o esfriar do vento. A culpa é das cores que os sinais trazem, folhas de cores, cores de fogo. E quando finalmente os olhos se abrem, já é tarde. Não que as folhas não queiram ficar, mas é chegada a hora e elas sabem, desistem de lutar e se vão. Cores leves, livres, soltas, guiadas pelo vento, folhas de momentos. Folhas de outono me dão calafrios, então fecho os olhos e revivo, na minha alma e nos sonhos, cada momento verde que vivi, antes de chegar o frio.

Elaine Delpupo¹
(Boston-MA)

















¹ A autora é graduada em Letras Português-Inglês.