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segunda-feira, 14 de março de 2016

Os olhos dos pobres (Baudelaire)

Quer saber por que a odeio hoje? Sem dúvida lhe será menos fácil compreendê-lo do que a mim explicá-lo; pois acho que você é o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.

Tínhamos passado juntos um longo dia, que a mim me pareceu curto. Tínhamos nos prometido que todos os nossos pensamentos seriam comuns, que nossas almas, daqui por diante, seriam uma só; sonho que nada tem de original, no fim das contas, salvo o fato de que, se os homens o sonharam, nenhum o realizou.

De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho e já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás disseminava ali todo o ardor de uma estreia e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajens de caras rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo para o falcão em suas mãos, as ninfas e deusas portando frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor dos sorvetes matizados; toda a história e toda a mitologia a serviço da comilança.

Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças para tomarem o ar da tarde. Todos em farrapos. Estes três rostos eram extraordinariamente sérios e os seis olhos contemplavam fixamente o novo café com idêntica admiração, mas diversamente nuançada pela idade.

Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda.

Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. Não somente essa família de olhos me enternecia, mas ainda me sentia um tanto envergonhado de nossas garrafas e copos, maiores que nossa sede. Voltei os olhos para os seus, querido amor, para ler neles meu pensamento; mergulhava em seus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos seus olhos verdes habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: "Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?"

Como é difícil nos entendermos, querido anjo, e o quanto o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam!


Charles Baudelaire
De Le "Spleen" de Paris
 (O "tédio/melancolia de meados do século" de Paris); 
Les Petits Poèmes en prose (Os pequenos poemas em prosa), 1869.

Nota pessoal: Conheci este poema há poucos anos por intermédio de um amigo que faz Doutorado em Direito na UBA (Universidad de Buenos Aires - Argentina). Um professor de lá recomendou à turma de doutorandos a leitura deste poema.

domingo, 3 de março de 2013

Fragmentos

Os poetas malditos - Eterna busca do ideal de vida.
'Homo Homini Lupus'
A estética clássica encara o Modernismo.
Contra as convenções sociais, álbum Revolver, 1966.
Arquétipos do inconsciente e um Je ne sais quoi.
Metáforas de morte... Um tanto gótico.

sábado, 7 de maio de 2011

Poema de Charles Baudelaire

Primeiro o original em francês, depois a tradução mais abaixo.


À une passante

La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,
Une femme passa, d'une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l'ourlet;

Agile et noble, avec sa jambe de statue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l'ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.

Un éclair... puis la nuit! — Fugitive beauté
Dont le regard m'a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l'éternité?

Ailleurs, bien loin d'ici! trop tard! jamais peut-être!
Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais!


A uma passante

A rua ensurdecedora ao redor de mim urrava.
Longa, magra, em grande luto, dor majestosa,
Uma mulher passa, de uma mão faustosa
Erguendo, balançando o festão e a bainha;

Ágil e nobre, com sua perna de estátua.
Eu bebia, crispado como um extravagante,
No seu olho, céu lívido onde nasce o furacão,
A doçura que fascina e o prazer que mata.

Um raio... e depois a noite! — Fugitiva beleza
Cujo olhar me fez repentinamente renascer,
Só te verei de novo na eternidade?

Além, muito longe daqui! Muito tarde! Talvez jamais!
Porque ignoro para onde foste, tu não sabes aonde vou,
Ó tu que eu amei, ó tu que o sabias.


Do livro Les fleurs du mal (As flores do mal)
Charles Baudelaire (1821-1867)