A cena literária voyeurística por excelência é aquela
descrita por Heródoto [...] na qual a rainha é observada pelo favorito do rei
que por sua vez espia o favorito que espia a rainha. Com isso nos deparamos com
uma situação voyeurística ao cubo [...].
O voyerismo, ou se preferirem, a escopofilia, é um
componente importante da literatura e da narrativa, como, ainda de modo mais
óbvio, no cinema e na fotografia. Deste modo o artista não se faz somente
espectador de algo em segredo, íntimo, escondido, proibido, mas também, em
certo sentido, cúmplice de um processo de conhecimento que podemos definir como
subversivo. O projeto consiste em exprimir aquilo que a sociedade normalmente
reprime, assumindo na área da representação aquilo que por hipocrisia, medo ou
ignorância sempre é excluído e que constitui uma parte imensa da vida real, isto
é: o sexo na sua extrema e indefesa nudez, no seu momento existencial, carnal,
corporal, como mostra claramente o poema de Mallarmé “Une négresse par le démon secouée”.
(Tinto Brass,
Vincenzo Maria, 1994, in “L’uomo che
guarda”, tradução nossa).
O romance de
Vladimir Nabokov adaptado para o cinema por Stanley Kubrick mostra que
às vezes a escopofilia pode não se bastar em si, mas ser o primeiro ato de um
drama mais profundo.
“Rear Window” de Alfred Hitchcock
manifesta uma escopofilia que não está necessariamente conectada à libido,
aparentemente contradizendo Freud, mas não necessariamente.
Em suma, a ação de espreitar pela
janela, fechadura ou câmeras ocultas apenas divergem no grau de subversão do
espectador, mas em nada diferem do ato de assistir a um filme, ouvir um rumor, ler,
ver ou ainda tentar, mesmo que na imaginação mais íntima, acessar um tabu
interditado. O grau de subversão é determinado pelo nível de comprometimento do
espectador com a moral que lhe fora ensinada e internalizada, ou imposta. Ainda
assim, esse empenho é desafiado e algumas vezes destronado, mesmo que temporariamente,
pela veleidade ou simples anseio, isto é, a curiosidade comum a mamíferos e
mais ainda aos primatas. Todavia, o gênero homo
é o único que sofre por isso.
Daí vem a importância literária e
filosófica do tema, não apenas por ser um traço comportamental da espécie, mas
por trazer à discussão questões existenciais que podem ser relevantes para o
estudo das artes e da psiquê.
Excelente matéria. Gostei.
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