quarta-feira, 28 de julho de 2021

Dois poemas geniais de Camões

Ao Desconcerto do Mundo
 
Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
 
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só para mim,
Anda o Mundo concertado.


Vocabulário:
desconcerto = desordem.



Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
 
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.


Vocabulário:
afora = além de.
mor = maior.
soía = pretérito imperfeito do verbo soer [soer = como de costume].


Luís Vaz de Camões  (século XVI)


Estátua na Praça Camões em Lisboa - Portugal.


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