Tabu versus mártires
ou condicionamento versus transgressão: uma breve análise sobre o pensamento
livre.
Sigmund
Freud em sua obra Totem e Tabu fez
uma importante contribuição à antropologia e à psicologia social. O tabu é um
dos códigos morais mais antigos que regem a sociedade, portanto, essa obra é
leitura recomendada para quem procura entender a relação entre padrões de
comportamento e a organização social. Outra importante obra de Freud no campo
social é Psicologia das Massas e a Análise do Eu. De
acordo com o pai da psicanálise, a transgressão de um tabu conduz o
transgressor à sua expulsão do grupo ou a uma punição imposta pelo grupo do
qual o transgressor faz parte. Entre as sociedades primitivas, acreditava-se
que deste modo evitar-se-ia que uma maldição recaísse sobre todo o grupo. Esse princípio
pode ser observado em todos os grandes primatas que se organizam em bando e
constituem hierarquias, como gorilas, chimpanzés, babuínos e os seres humanos.
A punição ou expulsão do indivíduo transgressor é o primórdio do moderno
Direito Penal.
Tanto
Freud quanto o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss demonstram que a
organização social em torno de uma Lei teve início em sociedades primitivas a
partir da proibição do incesto. Desde então outros tabus surgiram e evoluíram
em sua complexidade. Resta saber quanto de nosso instinto primata permanece a
nos determinar e se há possibilidade de termos um pensamento livre e original
apesar de todo o condicionamento biológico e psíquico que sofremos.
Na
Grécia Antiga, o filósofo Sócrates foi condenado à morte, acusado de corromper
a juventude ateniense e ser ímpio perante os deuses. Sócrates não escreveu
nada, tudo o que sabemos sobre ele vem dos textos escritos por seus discípulos.
Nem mesmo há provas de que ele realmente tenha existido. Ainda assim, sua
história é um dentre muitos exemplos da punição que recai sobre aquele que
transgride um tabu. Mas que tabu Sócrates transgrediu?
Ao questionar
todo conhecimento vigente em sua época, Sócrates atraiu a atenção dos jovens e
colocou em discussão a autoridade de seus interlocutores, atraindo a ira destes
para si. Entre os gorilas, quando o macho-alfa tem sua autoridade questionada,
ele expulsa ou mata o seu rival. Analogamente, os acusadores de Sócrates eram
homens que tinham muito a perder com aquele filósofo ensinando os jovens a
pensar por eles mesmos e a questionar o saber dos mais velhos. Logo, Sócrates
foi julgado, preso e executado. Ele não transgrediu necessariamente um tabu
moral, mas ensinava seus discípulos a pensar por si só, o que leva, com o
tempo, ao questionamento de certas Leis, princípios morais, tabus e dogmas.
Em todas as
manifestações artísticas ao longo da história há exemplos de incompreensão,
censura e perseguição, tanto para o artista que rompeu paradigmas formais
quanto para aquele que, em sua arte, ousou questionar um tabu. O exemplo de
Sócrates talvez sirva para entender a história de vários outros mártires, como
Gandhi. Considerando todo o condicionamento que historicamente sofremos, talvez
não seja exagero dizer que o pensamento livre é uma anomalia da espécie, um
desajuste mental que leva um indivíduo a ser criativo e destacar-se da massa.
Em pouco tempo esse indivíduo passa a ser visto como subversivo. Seu instinto
de autopreservação não funciona como na maioria. Ele desafia a si mesmo e
arrisca sua segurança em nome de um ideal que afirma ser maior que ele mesmo.
Sócrates dizia ouvir uma voz interior, Gandhi seguia princípios religiosos,
outros se tornaram mártires ao defenderem com a vida uma ideologia política. Logo,
o pensamento livre é possível, mas, às vezes, cobra um preço muito alto daquele
que ousa pensar.
Sócrates entre seus discípulos como no livro Fédon. |
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