A indiscutível obra-prima das telenovelas brasileiras está de volta à TV, apresentada pelo canal Viva, de segunda a sábado a partir das 12h15min.
Escrita por Dias Gomes, autor também de outras obras geniais, como O Pagador de Promessas. Recomendo o excelente filme de 1962.
A trama de Roque Santeiro
Uma cidadezinha singela vive do turismo e comércio religioso em torno de seu mártir, Roque Santeiro, executado por bandidos que invadiram a localidade há muito tempo, quando aquilo não passava de uma pequena vila.
Depois de morto, surgem algumas estórias, como a de uma criança doente que viu o espírito de Roque no riacho e de lá saiu curada; entre outros supostos casos de milagres e visões sobrenaturais.
Mas certo dia, um visitante misterioso chega a essa pequena cidade. E ele nota que o lugar está diferente de como era na sua juventude.
Esse visitante é Roque. Ele estava vivo todo esse tempo e não fazia ideia de que era considerado um santo na sua terra natal.
Obviamente, se descoberta a identidade do visitante, isso destruirá o mito de Roque Santeiro e com ele quase toda a economia local.
Mas ele só é reconhecido pelos habitantes mais antigos, da época que Asa Branca era uma vila. Esses poucos, sendo agora ricos e poderosos, farão de tudo para esconder a verdade do povo asabranquense.
O padre, que era contra a idolatria do mito de Roque, se vê obrigado a sustentar e mentira.
O poderoso fazendeiro, que tem um caso amoroso com a viúva de Roque, interessado que este continue morto e santo.
A famosa viúva Porcina, que a contragosto não é mais viúva de Roque, já que este nunca morreu, ficando obrigada a conviver com ele, sabendo que sua fama acabará se a verdade sobre o mito for revelada.
O prefeito de Asa Branca, que acabou de inaugurar uma estátua de Roque Santeiro, vê sua situação política em risco.
O rico comerciante de artigos religiosos sobre o mito de Roque Santeiro é mais um que, obviamente, perderia seu negócio se a farsa acabasse.
A crítica social
Essa obra deixa explícita a exploração da ingenuidade, o mercado da fé baseado numa mentira lucrativa.
E ataca os poderosos, cada qual com sua fraqueza pessoal bem demonstrada na trama.
E critica também a inocência do povo humilde, carente de um salvador e que, cheio de imaginação, inventa estórias de milagres que na realidade nunca aconteceram.
Nenhum personagem é poupado, seja rico ou pobre, todos são analisados com olhar crítico:
O prefeito, capacho do rico fazendeiro;
O fazendeiro, capacho da mulher que deseja;
A viúva do santo, uma mulher promíscua, contrariando a razão de sua fama na cidade;
O professor, elogiado por seus discursos, mas nunca compreendido pelo povo, por causa do vocabulário arcaico que costuma empregar em suas falas;
O empresário, que apesar da riqueza material, é inseguro e ciumento, chegando ao absurdo de trancar a esposa no quarto, privando-a de qualquer contato social;
O padre e as carolas da igreja, contrariando a doutrina que seguem, vivem de fofoca e condenam a todos com base em julgamentos superficiais.
O mendigo que dorme bêbado no banco da praça e vez ou outra exalta aos berros o sistema monárquico com uma nostalgia inexplicável, já que nunca a viveu de fato.
O cego trovador é um arquétipo, assim como na Grécia Antiga foram Homero, o rapsodo, e Tirésias, o adivinho. O cego que tudo sabe, vê com os outros sentidos, incluindo a inteligência, e serve como um crítico social que alerta o telespectador sobre os acontecimentos em cena.
A crítica comportamental
Além dos aspectos religiosos e políticos, a trama também se faz presente pela crítica comportamental.
Algumas mulheres, seja pela prostituição ou pela sedução, usam o sexo como moeda de troca a fim de obter favores e ganhar assim um pequeno poder temporário.
Os homens, cautelosos e políticos na maior parte do tempo, são escravos de seus desejos sexuais, tornando-se irracionais e temerários diante do objeto causador de sua lascívia.
Conclusão
ROQUE SANTEIRO é uma daquelas obras que, semelhante a O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, usam o humor para traçar um retrato fiel do povo brasileiro. Conhecer essas obras é essencial para compreender a nossa sociedade.