terça-feira, 5 de abril de 2016

O artista (Oscar Wilde)

"O artista" por Oscar Wilde (1854 – 1900)

Uma noite veio do interior da sua alma o desejo de esculpir a estátua do "Prazer que dura um instante" e saiu pelo mundo em busca do bronze, porque só podia imaginar sua escultura em bronze.

Mas todo o bronze do mundo tinha desaparecido e em nenhuma parte do mundo podia encontrar-se bronze, salvo o da estátua da "Tristeza que dura para sempre".

Ora, essa imagem ele mesmo quem a esculpiu com suas próprias mãos. Havia modelado aquela estátua, colocando-a no túmulo do único ser a quem amara em sua vida. Então, na sepultura daqueles restos mortais que ele tanto havia amado, deixou aquela estátua erguida por ele para que fosse um sinal do amor imortal do homem e um símbolo da dor que dura para sempre. E no mundo inteiro não havia outro bronze senão o bronze daquela estátua.

E tomou a estátua que havia modelado, colocou-a em um grande forno e entregou-a ao fogo.

E com o bronze da estátua da "Tristeza que dura para sempre", modelou uma estátua do "Prazer que dura um instante"


(in "Complete Works" – poems in prose. Tradução nossa)
Obras Completas de Oscar Wilde  – poemas em prosa


Comentário:
É possível vislumbrar neste poema um paralelo com a antiga parábola budista da "semente de mostarda". Nesta, uma mãe carrega seu filhinho morto no colo procurando por algo que pudesse trazê-lo à vida. Após muita procura, alguém recomenda que ela ouça o sábio budista que habitava aquela região. Ela o encontra e pede-o uma cura. Ele diz que a cura é uma semente de mostarda que deve ser doada por uma família a quem a morte nunca tenha tocado. A mulher sai à caça dessa semente e em todas as portas em que batia, as pessoas se mostravam solidárias ao dar-lhe a semente, mas quando ela perguntava se alguém daquela casa já havia morrido, a resposta era sempre positiva. Em nenhuma família, em nenhuma casa, em nenhum lugar, a morte não havia tocado. Então a mulher voltou ao sábio budista e disse: "Enterrei meu filho no bosque, junto com minha dor, agora estou pronta para seguir-te".

A parábola budista fala do desapego das coisas mundanas, do ato de desapegar-se dos problemas que na vida não tem solução, e como esse desapego leva à superação da dor que é provocada pelos desejos do ego. Essa antiga filosofia oriental reapareceria cerca de 100 anos mais tarde na Grécia pós-Socrática sob os títulos de Cinismo e Estoicismo. Esta última corrente floresceu no Império Romano e séculos depois foi recuperada no período Barroco europeu que sustentou os dizeres "Memento mori". A filosofia estoica ensina o homem a aceitar com serenidade o seu destino tal qual este se apresenta. Essa escola que influenciou os primórdios do cristianismo tem Zenão (na Grécia) e Sêneca (em Roma) como seus representantes. Também podemos ver o estoicismo na poesia de Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa) que soma a essa filosofia o epicurismo. Já o Cinismo prega o desapego das coisas materiais. Foi fundado por Antístenes, discípulo de Sócrates, e levado ao extremo por Diógenes, que morava em um barril, na época de Alexandre, o Grande.

O poema de Wilde fala da superação de uma enorme tristeza provocada por uma grande perda, e de como um instante de felicidade ou a lembrança de um bom momento pode significar mais do que uma dor que se julga eterna.

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