terça-feira, 2 de julho de 2019

Diálogo entre Sócrates e Glauco


De olho no governo de Atenas, Glauco, filho de Aristão, nem vinte anos tinha e queria ser orador popular. E embora arrancado da tribuna, vaiado, nenhum parente nem amigo conseguia fazê-lo desistir. Sócrates, em razão de sua amizade a Platão, seu irmão, foi conversar com ele. 

- Glauco, – disse-lhe Sócrates – soube que pretendes governar a cidade. 

- É verdade, Sócrates. 

- Por Zeus! É o mais belo projeto que se pode arquitetar. Se conseguires, estarás em condições de conseguir tudo o que desejas, servirá a teus amigos, engrandecerá a casa de teus pais e a tua pátria. Começarás fazendo teu nome em tua terra, depois em toda a terra e, quem sabe, até entre os bárbaros. Aonde fores todos os olhares se voltarão sobre tua pessoa. 

Ouvindo estas palavras, Glauco encheu-se de orgulho e ficou todo alegre. Prosseguiu Sócrates: 

- Não é evidente que se quiser honras deverá servir à República? 

- Claro. 

- Em nome dos deuses! Não me esconda nada e me diz qual o primeiro serviço que pretende prestar à cidade. 

Glauco ficou em silêncio, procurando por onde começar. Como Glauco não decidia o que dizer, Sócrates continuou: 

- Não tentará enriquecer a cidade? Como se fosse casa de um amigo? 

- Sim. 

- Procurar maiores rendas não será o meio de torná-la mais rica? 

- Evidentemente. 

- Então, diga-me de onde tiram hoje as rendas do Estado e qual o seu montante. Certamente fizeste teus estudos, para suprir os produtos que faltarem. 

- Por Zeus! – respondeu Glauco – nunca pensei nisso. 

- Já que não pensaste neste ponto, diga-me, ao menos, quais são as despesas da cidade: porque não resta dúvida de que sua intenção é abater as supérfluas. 

- Palavra! Também não pensei nisso. 

- Tudo bem, deixemos para depois o projeto de enriquecer o Estado. Como poderíamos fazer isso antes de conhecer as despesas e as rendas? 

- Mas Sócrates, também podemos enriquecer a República com os despojos dos inimigos. 

- Sim, sem dúvida, se formos mais fortes que eles. Se formos mais fracos, nós é que seremos despojados... 

- Realmente. 

- Quem deseja empreender uma guerra precisa, pois, conhecer a força de sua nação e a dos inimigos, a fim de, se sua pátria for mais forte, poder atacar, se mais fraca, manter-se na defensiva. 

- Tens razão. 

- Diga-me quais são as forças de nossa cidade, em terra e mar, depois as dos inimigos. 

- Ora, assim desprevenido não posso te responder! 

- Se tens em casa alguma anotação sobre o assunto, esperarei com o maior prazer. 

- Não, nada tenho. 

- Muito bem, outro dia pensaremos sobre as guerras. O assunto é vasto, e como começa agora na administração, não teve tempo de estudá-lo. Mas sei que já se ocupou com a defesa da cidade. Sabe quais são as guarnições necessárias e quais são desnecessárias, em que pontos os guardas são mais numerosos, onde são insuficientes? Aconselharás que reforcem as guarnições e se suprimam as supérfluas? 

- Por Zeus! – disse Glauco – minha opinião é de que devemos acabar com todas, pois guardam a cidade tão mal que os inimigos roubam tudo. 

- Mas não acha que eliminar as guarnições seria deixar a cidade à mercê dos ladrões? Além do mais, visitastes as guarnições? Como sabes que não cumprem seu dever? 

- Suponho-o. 

- Então, quando tivermos algo mais que suposições , aí deliberaremos sobre o assunto. 

- Talvez seja melhor. 

- Sei Glauco – retomou Sócrates a conversa – que não estivestes nas minas de prata, de forma que não podes dizer por que produzem menos que outrora. 

- Ainda não estive lá – confirmou Glauco. 

- Dizem que o ar de lá é insalubre: tens nisso bom argumento se vierem te perguntar. 

- Estas caçoando de mim, Sócrates. 

- Mas tenho certeza de que pelo menos examinaste cuidadosamente quanto tempo pode o trigo colhido alimentar a nação, quanto se consome mais a cada ano, para que a escassez não te surpreenda e possas tomar as medidas preventivas. 

- Tu falas – disse Glauco – de tarefa muito cansativa, se for necessário ter atenção em tantos detalhes. 

- Mesmo assim – retorquiu Sócrates – nem a própria casa será capaz de administrar quem não conhece todas as necessidades e não souber satisfazê-las. Visto contar a cidade mais de dez mil casas e não ser fácil ocupar-se de tantas famílias ao mesmo tempo, por que não ensaiaste tentando engrandecer apenas uma, a de teu tio? Ela necessita de tua ajuda. Se desses conta da tarefa, então poderias procurar uma tarefa maior. Mas se não sabes ser prestativo para um único indivíduo, como poderias ser útil a todo um povo? 

- Ah! Certo! – exclamou Glauco – Isso se meu tio me desse ouvidos! 

- Como! – replicou Sócrates – Não foste Capaz de persuadir teu tio e esperas fazer-te ouvir por todos os atenienses, incluindo teu tio? Vê lá, Glauco, se de olho na glória não confunde as coisas. Não vês como é perigoso dizer ou fazer o que não se sabe? Pense nas pessoas que conheces que falam sem saber do que falam: são admiradas ou desprezadas? Olha, ao contrário, aqueles que sabem o que dizem, e verás que reúnem ao redor deles pessoas que os admiram, enquanto o desdém é o que resta aos ignorantes. Se amas a glória e queres ser admirado, procura saber, antes, sobre o que deseja realizar, e não me surpreenderei se alcançar o que ambicionas. 



Xenofonte. Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates. Livro III, Capítulo VI. Tradução de Líbero Rangel de Andrade. São Paulo: Nova Cultural, 1987. Coleção Os Pensadores.

Xenofonte (430 a.C. — 355 a.C.), discípulo de Sócrates e autor do texto.
Sócrates (469 a.C. — 399 a.C.), considerado um dos mais importantes filósofos ocidentais.