Na história da
humanidade (não confundir com a história natural) sempre houve períodos de
turbulência revolucionária. Refiro-me a períodos de intensa produção e
reformulação do pensamento, que mais tarde – e, em alguns casos,
concomitantemente – também culminariam em mudanças práticas.
As condições
materiais de vida impulsionam o pensamento, a consciência, e esta as
revoluções. Exemplos:
1)
Possibilidades reais de expansão marítima e geração de riqueza – condições
materiais que levaram ao sonho, desejo e necessidade de exploração além-mar –
culminando nas Grandes Navegações;
2) Exploração
colonial – condições materiais que culminaram em pensamentos emancipatórios nas
colônias – teorias que dariam luz ao nascimento de novas nações independentes;
3) Absolutismo
monárquico e insatisfação burguesa – condições materiais que culminaram no
pensamento iluminista – ideias que por sua vez levariam à revolução francesa;
4) Exploração da
mão-de-obra – condições materiais que culminaram no pensamento comunista –
consequentemente levando às revoluções russa, chinesa, cubana entre outras.
Além do
Iluminismo, houve outros três períodos históricos marcados por grande produção
filosófica, científica e literária, todos determinantes para o pensamento e o
modo de vida: o Renascimento, o Romantismo (incluindo correntes antagônicas no
mesmo período – o séc. XIX) e o Modernismo (séc. XX). Todos eles tiveram
fundamental importância na estruturação social e no modo como o homem passou a
perceber o mundo. Houve ainda mais um período com mesmo grau de importância,
porém mais atual: o período que comporta a década de 1960 e início da década de
1970.
Este foi um
período de grande turbulência social e cultural. As condições materiais para
isso são inúmeras, mas poderiam ser resumidas em uma tese central: a juventude
crescendo em um período pós-guerra (fim da 2ª Guerra Mundial) e temendo a
hipótese de uma eminente guerra nuclear. Ao encarar a ideia da morte eminente,
essa juventude – até então reprimida – tentou sugar ao máximo, ao seu modo
inocente, o que a vida e o momento presente lhes poderiam ofertar em prazeres
hedonistas.
A cultura
surgida como fruto desse pensamento e que seria a força impulsionadora das
revoluções que ocorreriam nesse período está ainda no final da década de 1950.
Este antecedente tinha o nome de rock and
roll. Em termos de poesia, o rock era a única alternativa até então que
falava aos anseios do jovem: namorar. Letras que falam de carros possantes se
traduziam ao imaginário da juventude como uma fuga, uma possibilidade de
liberdade, longe da vista dos pais. Em termos de música, era um som que exigia
a formação de casais para a dança, aproximando as pessoas, permitindo o contato
corpo a corpo numa sociedade sexualmente reprimida. Em termos de atitude, a
preparação com roupa de baile e a desinibição pelo uso de álcool eram os
rituais que não apenas antecediam o namoro, mas começaram a fazer parte do
estilo de vida dessa geração.
Foi nesse
contexto que cresceram os Beatles, os Rolling Stones e seus contemporâneos. A
diferença é que para esses meninos já não bastava apenas estar presente do
baile, eles queriam comandar a festa. Inspirados por seus ídolos da década de
1950 (Elvis Presley, Chuck Berry etc) eles saíram da escola em busca de um
sonho: ser como os seus heróis.
Com muito
trabalho eles conseguiram chegar ao estrelato no início da década de 1960.
Tornaram-se então ídolos dos jovens da época e de sua própria geração. Mas em
meados da década, as turbulências sociais e políticas se intensificaram, o que
motivou um abandono da inocência e um engajamento artístico e popular em prol
de melhores condições de vida. Entre 1966 e 1967 irrompeu o auge da cultura
hippie, em protesto à Guerra do Vietnã, com modo de vida anticapitalista, slogans
pacifistas, passeatas e apelos à liberdade de expressão, aos direitos das
mulheres, ao fim da segregação racista.
Nesse contexto,
a música já não era mais composta para bailes. Aqueles arranjos simples com
três acordes deram lugar a arranjos complexos, mesclando rock e música
clássica, às vezes com influência da música oriental, e com tudo mais o que a
criatividade artística concebesse livremente, abolindo preconceitos. O ritmo
mudou tanto que já não podia mais ser dançado, exigindo apenas a audição e
apreciação do ouvinte. As letras então se tornaram mais elaboradas poeticamente
e engajadas politicamente. E a música passou a ser apenas ouvida, e quando
cantada, as canções converteram-se em hinos daquela geração.
Os Beatles
reinavam absolutos como a voz mais influente da época, mas seus discípulos
diretos e indiretos também estavam presentes, não só unindo-se ao coro, mas
tentando levar a revolução cultural a níveis cada vez maiores.
No centro do
mundo capitalista, os EUA, o festival de Woodstock em 1969 reuniu artistas como
The Who, Janis Joplin, Jimi Hendrix e um público recorde de jovens em torno de
uma única celebração. Era também uma fuga da agitação e dos problemas daquela
época conturbada.
No ano seguinte,
Jimi Hendrix e Janis Joplin morreriam aos 27 anos. Nove meses depois Jim Morrison
juntar-se-ia a eles, também aos 27. Parecia o destino cobrando o seu preço por
uma vida de muitos exageros: muitas festas, muitas drogas e muito trabalho.
No mesmo ano em que Jimi e Janis
transcenderam deste mundo, os Beatles se separaram. Eles já não eram mais tão
jovens, estavam chegando aos 30 e haviam tocado juntos por mais de 10 anos.
Cada um foi se dedicar à sua própria família e carreira solo. Assim, 1970 foi
um ano de perdas inestimáveis para aquela geração, causando algumas desilusões,
marcando o fim de uma era, mas aquela agitação ainda perduraria por mais uns
anos como um efeito ressaca. Bandas como Led Zeppelin e Pink Floyd se
propuseram à missão de elevar o som dos anos 60 a patamares ainda mais
complexos.
A poesia do Rock
Em “My
Generation” (1965) o grupo The Who cantava
ao espírito jovem contestador que questionava os valores pelos quais os pais
educavam seus filhos. Um dos hinos daquela geração. A seguir um trecho da letra:
As
pessoas tentam nos colocar pra baixo
Só porque nos damos bem
As coisas que eles fazem parecem terrivelmente frias
Espero morrer antes de ficar velho
Essa é a minha geração, baby
Por que vocês todos não desaparecem?
E parem de tentar entender o que nós dizemos
Não estou tentando causar nenhuma confusão
Só porque nos damos bem
As coisas que eles fazem parecem terrivelmente frias
Espero morrer antes de ficar velho
Essa é a minha geração, baby
Por que vocês todos não desaparecem?
E parem de tentar entender o que nós dizemos
Não estou tentando causar nenhuma confusão
Só
estou falando sobre a minha geração
No auge da
agitação eis que surge um poeta tímido, Jim Morrison, mas ao assumir uma
personalidade dionisíaca, tornar-se-ia um símbolo da liberação sexual. Nas
apresentações ao vivo da banda, o poeta convocava os jovens à revolução:
The Doors - Five to One, 1968 (trecho):
Cinco
contra um, baby
Um e cinco
Ninguém sai daqui vivo, agora
você leva os seus e eu levo os meus
Vamos conseguir, baby, se tentarmos
Todos nós envelhecemos e os jovens se fortalecem
Pode levar uma semana e pode levar mais tempo
Eles têm as armas, mas nós temos a maioria
Vamos vencer, sim, estamos dominando!
Seus dias de baile acabaram, baby
Um e cinco
Ninguém sai daqui vivo, agora
você leva os seus e eu levo os meus
Vamos conseguir, baby, se tentarmos
Todos nós envelhecemos e os jovens se fortalecem
Pode levar uma semana e pode levar mais tempo
Eles têm as armas, mas nós temos a maioria
Vamos vencer, sim, estamos dominando!
Seus dias de baile acabaram, baby
As condições de
vida formaram o espírito da época que inspirou os jovens a acreditarem que um
mundo melhor era possível e que isso dependia apenas deles, cobrando da
juventude uma mobilização para tomarem o controle da política e de suas vidas,
caso contrário poderia não haver futuro. Sonhando em fazer um mundo ideal,
lutava-se contra problemas concretos: a guerra, o racismo, os valores machistas
e as ditaduras (cada país tinha a sua a seu modo).
John Lennon -
Imagine, 1971 (trecho):
Imagine não haver propriedades
Eu
me pergunto se você consegue
Nenhuma
necessidade de ganância ou fome
Uma
irmandade de homens
Você
pode dizer que eu sou um sonhador
Mas
eu não sou o único
Espero
que um dia você junte-se a nós
E
o mundo viverá como um só.
Era uma época
diferente. Alguns daqueles anseios parecem não fazer mais sentido hoje, outros
como a luta pela igualdade, o fim da fome e a paz, ainda são utopias de toda a
humanidade.