quinta-feira, 3 de abril de 2014

Padre Anchieta e seu polêmico legado


“Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro... Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar... Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé!” (Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei D. Manuel, 1500).


Esse era o pensamento comum da época. Acreditava-se que impor o evangelho ao nativo seria o maior testemunho de bondade que os portugueses deviam fazer. Como instituição, a Igreja errou feio. Alguns índios se salvaram da escravidão colonial [laica] a troco de serem escravos das obras da Igreja. Porém, os jesuítas fizeram o que acreditavam ser para o bem do índio, resgatando-o de seus vícios: o uso de cauim, do fumo, a poligamia, a antropofagia; costumes que Pe. José de Anchieta combateu por meio de seu teatro alegórico.


Há que se considerar o contexto histórico antes de condená-lo. Como homem, José de Anchieta não pode ser julgado pelos valores em que hoje acreditamos, até porque no futuro muitas de nossas ideologias e até nossa ciência serão também consideradas torpes.


Entretanto, o mesmo relativismo não pode ser usado para justificar crimes hediondos tais aqueles cometidos pelos militares nos anos de chumbo. Como recentemente revelou a Comissão da Verdade, houve extermínio de aldeias indígenas por parte da ditadura. A aculturação promovida pelo Padre no contexto do séc. XVI não é do mesmo tipo de atrocidade que os bombardeios de aviões sobre aldeias, o uso da varíola como arma biológica, as prisões e torturas de índios no Brasil do séc. XX.


Sem julgamentos morais, prefiro pensar em Anchieta como o autor da primeira gramática de língua indígena brasileira, impressa em 1595. Também como poeta, dramaturgo e historiador ele nos legou documentos que nos permitem vislumbrar um pouco do Brasil quinhentista, das batalhas travadas, dos costumes nativos e da fé que se propagava naquele período.


A recente canonização do Padre Anchieta torna mais atrativo aos olhos do turista os Passos de Anchieta, as ruínas da igreja jesuíta em Guarapari e tudo o que ainda cerca a história de vida do padre no estado do Espírito Santo.

Ruínas da igreja jesuíta em Guarapari-ES