“Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata
nela, ou outra coisa de metal, ou ferro... Contudo, o melhor fruto que dela se
pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal
semente que Vossa Alteza nela deve lançar... Quanto mais, disposição para se
nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento
da nossa fé!” (Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei D. Manuel, 1500).
Esse era o pensamento comum da época. Acreditava-se
que impor o evangelho ao nativo seria o maior testemunho de bondade que os
portugueses deviam fazer. Como instituição, a Igreja errou feio. Alguns índios
se salvaram da escravidão colonial [laica] a troco de serem escravos das obras da
Igreja. Porém, os jesuítas fizeram o que acreditavam ser para o bem do índio, resgatando-o
de seus vícios: o uso de cauim, do fumo, a poligamia, a antropofagia; costumes
que Pe. José de Anchieta combateu por meio de seu teatro alegórico.
Há que se considerar o contexto histórico antes
de condená-lo. Como homem, José de Anchieta não pode ser julgado pelos valores
em que hoje acreditamos, até porque no futuro muitas de nossas ideologias e até
nossa ciência serão também consideradas torpes.
Entretanto, o mesmo relativismo não pode ser
usado para justificar crimes hediondos tais aqueles cometidos pelos militares
nos anos de chumbo. Como recentemente revelou a Comissão da Verdade, houve extermínio de aldeias indígenas por
parte da ditadura. A aculturação promovida pelo Padre no contexto do séc. XVI não é do mesmo tipo de atrocidade que os bombardeios de aviões sobre aldeias, o
uso da varíola como arma biológica, as prisões e torturas de índios no Brasil
do séc. XX.
Sem julgamentos morais, prefiro pensar em
Anchieta como o autor da primeira gramática de língua indígena brasileira,
impressa em 1595. Também como poeta, dramaturgo e historiador ele nos legou
documentos que nos permitem vislumbrar um pouco do Brasil quinhentista, das
batalhas travadas, dos costumes nativos e da fé que se propagava naquele
período.
A recente canonização do Padre Anchieta torna
mais atrativo aos olhos do turista os Passos de Anchieta, as ruínas da igreja jesuíta em Guarapari e tudo o que ainda
cerca a história de vida do padre no estado do Espírito Santo.