Semiótica, Teoria Literária e arquétipos: ferramentas para a compreensão do texto.
A Semiótica (às
vezes referida também como Semiologia) é a ciência que estuda todos os
signos linguísticos: verbais, visuais, auditivos e múltiplos. Neste campo, alguns
estudiosos de destaque são:
Charles Peirce (EUA) – filósofo, cientista,
matemático e químico.
Roland Barthes (França) – filósofo
e crítico literário;
Umberto Eco (Itália) – escritor,
autor de “O nome da rosa” e crítico literário.
Alguns conceitos importantes da Semiótica:
Ícone - é uma representação que se assemelha ao objeto representado. Exemplo: uma fotografia se assemelha à pessoa retratada.
Índice - é uma representação que se relaciona ao objeto representado. Exemplo: uma pegada humana lembra-nos um ser humano (mas a pegada não se assemelha a ele).
Símbolo - é uma representação arbitrária feita em dado
espaço-tempo. Possui um caráter cultural. Exemplos: uma letra para representar
um fonema ou uma logomarca para representar uma empresa.
Metáforas e símbolos
A metáfora é a mãe de muita
outras figuras de linguagem, também referidas como figuras de estilo ou de
retórica ou de expressão.
Tanto a metáfora quanto o símbolo
consistem em substituir uma coisa
pela outra. A metáfora substitui uma palavra por outra, o símbolo substitui um
conceito por uma imagem, por exemplo. Algumas vezes, metáforas e símbolos produzem
o mesmo efeito, por isso a linguagem figurada por vezes é definida como uma
linguagem simbólica.
Todos os textos (orais, escritos, visuais etc) são recheados de
metáforas e símbolos. Não apenas os textos definidos hoje como literários
(poemas, peças teatrais, narrativas ficcionais etc), mas qualquer forma de texto (conversas, diálogos, cartas, epístolas,
notícia jornalística, propaganda, manifesto etc).
A alegoria
Uma palavra que define um
conceito filosófico (abstrato) pode ser substituída por uma palavra imagética
(visual) ou uma figura (concreta). Este é o caso da alegoria.
Há infinitos exemplos de
simbolização no dia a dia:
O dinheiro
substitui a riqueza por um pedaço de papel ou metal;
A logomarca
substitui/representa uma empresa ou produto;
A parábola substitui
um enunciado moral por uma narrativa;
O exemplo
substitui uma explicação geral (conceituação) por um caso particular.
A operação da linguagem
A linguagem (oral e escrita) pode
ser compreendida tanto como uma operação alegórica quanto como uma operação
simbólica. Ambas podem ocorrer simultaneamente ou serem didaticamente separadas:
Operação alegórica (do abstrato ao concreto) – o ato de substituir
um pensamento ou sentimento (internos em um sujeito) por uma palavra que possa
ser expressa a toda uma comunidade. Ou seja, o ato de transformar nossas
percepções sensoriais (mundo psíquico) em palavras que as definam.
Operação simbólica (do concreto ao abstrato) – o ato de dar nome a
objetos (do mundo exterior) rotulando-os com palavras é uma operação de
abstração (simbolização do mundo exterior).
Estas operações possibilitam a
existência da linguagem e definem o
que muitos filósofos chamam de consciência.
Concretismo e poesia visual
O Concretismo e a Poesia Visual
são conceitos literários do século XX e consistem em operar do abstrato ao
concreto, ou seja, tomar a palavra (antes entendida como símbolo arbitrário) e
aproximá-la do conceito de ícone,
fazendo-a se assemelhar à imagem que ela representa.
Exemplo:
O significante se assemelhando ao significado
|
Metáfora, alegoria, símbolo e cultura
Da mesma forma que um sujeito
para compreender a língua portuguesa deve estar inserido nessa cultura
linguística, também para compreender um símbolo ele deve se inserir naquela
cultura simbólica. A seguir alguns exemplos.
Na mitologia grega, o trabalho se Sísifo é uma alegoria que
reflete a inutilidade de certas tarefas, convocando o homem a refletir sobre o
seu trabalho. No mito, Sísifo passa a vida empurrando uma pedra morro acima, mas ela sempre rola abaixo quando atinge o topo.
Nas culturas orientais, a flor de lótus simboliza pureza
espiritual, pois é uma flor que nasce em meio ao lodo.
As máscaras do teatro grego e da commedia
dell’ arte italiana representavam estereótipos sociais, ou seja, tipos comuns
de personalidade, facilmente reconhecíveis pelo público. No teatro moderno, porém, a máscara física foi substituída pela
“máscara psicológica”.
Alguns arquétipos conhecidos popularmente
Para C. G. Jung, os arquétipos
são ideias primordiais no inconsciente coletivo. Essas ideias não possuem forma
definida, mas são materializadas ou personificadas (alegoricamente) em símbolos
visuais, narrativas, personagens etc. A simbolização ocorre de forma diferente
em cada cultura, mas a ideia primordial (a essência) permanece a mesma já que
essas ideias fazem parte de um inconsciente coletivo, logo, comum a toda a
humanidade.
Há inúmeros arquétipos que representam a natureza humana. Como somos
seres complexos, assumimos várias personalidades, cada uma em um contexto
distinto. A seguir alguns exemplos que julgo recorrentes e importantes nos
textos.
O pai castrador – é a qualidade
controladora da nossa personalidade. É personificado em diversas culturas na
figura de um pai ou um deus punitivo. Um exemplo é Odin na mitologia nórdica.
A mãe – é a qualidade amorosa da
personalidade. Está ligada à fertilidade e nutrição. É personificada por
Proserpina, deusa romana da fertilidade (Perséfone dos gregos); Gaia, a
mãe-terra na mitologia grega; Ísis, na mitologia egípcia, Inanna, na mitologia
suméria etc.
O pai amoroso – é a qualidade feminina no ser
masculino, ou seja, o lado afetivo e criativo no homem, menos receoso de expor
as emoções publicamente. Este é o traço de personalidade que Jung chamaria de anima. É personificado em diversas
culturas na figura de um homem ou um deus, sempre bondoso, sensível e dado ao
perdão. Pode ser pintado (representado iconicamente) como um homem de traços
femininos.
A madrasta – é a qualidade
masculina no ser feminino, ou seja, o lado violento, competitivo e vingativo na
mulher. Este é o traço de personalidade que Jung chamaria de animus. É personificado por Hera (a
vingativa esposa de Zeus) e as diversas madrastas dos contos infantis.
O velho sábio – diz respeito ao
nosso conhecimento, ao nosso hábito de aconselhar e orientar. É personificado
na figura de um mágico, mago, mestre, profeta, professor, guru etc. O mago
Merlin é um exemplo, assim como Gandalf (em Senhor dos Anéis) e Dumbledore
(em Harry Potter).
O velho conservador – é o lado
conservador de nossa personalidade. Julga o presente de acordo com paradigmas
passados. É mantenedor de tradições. Um exemplo seria o Velho do Restelo na
obra “Os Lusíadas” de Camões.
O jovem rebelde – é o nosso lado
revolucionário, inconformado, contestador que exige mudanças. Um exemplo é Bob
da Família Dinossauro (seriado de TV).
O mensageiro – trata da nossa característica de levarmos recados que nem
sempre são aguardados ou bem recebidos. Exemplos são: Hermes (na Grécia),
Mercúrio (em Roma), Loki (na Escandinávia), Exu (orixá africano), Pombero
(guarani).
O herói – ele é o nosso lado aventureiro.
Na literatura ele é personificado em várias figuras que protagonizam as
narrativas. Aquiles é um exemplo.
O rei prometido – é a nossa
esperança de mudança de uma situação que não podemos mudar sozinhos. Um exemplo
é o rei Arthur.
O duplo (ou alter ego)– é o lado obscuro da
nossa personalidade, isto é, aquelas características que rejeitamos em nós
mesmos por não conseguirmos conviver com elas. Nas narrativas aparece como o
gêmeo mau, ou o irmão mau, sendo antagonistas do gêmeo bom ou do irmão bom. Exemplos
podem ser vistos no conto “William Wilson” de Edgar Allan Poe e no famoso “Dr.
Jekill and Mr. Hide” (R. L. Stevenson) que inspirou o Hulk dos quadrinhos.
O macho-alfa – é a vontade
masculina de dominar ou se destacar em uma comunidade, indo muito além de
apenas ser aceito. Um exemplo é o personagem Don Juan.
A fêmea-fatal – é a vontade
feminina de se destacar em seu grupo social, indo muito além de apenas ser
aceita. Exemplos são dos mais variados, desde Lilith até a mulher-gato das
histórias em quadrinhos.
O andrógino ou hermafrodita – é uma identidade indefinida, esta assume
características atribuídas aos dois sexos, porém causando estranhamento aos outros. Pode ser representada por um morcego (mamífero alado).
Édipo/ Electra – é o nosso
sentimento ambíguo em relação aos nossos próprios progenitores; de um lado amor
e admiração, de outro, ressentimento e rancor.
Também há inúmeros arquétipos que
representam sentimentos e situações recorrentes na vida humana.
A terra prometida/o lar perdido –
vontade de retorno à infância, nostalgia de nos sentirmos
acolhidos como éramos na infância. Na música temos vários exemplos, desde o
gospel “Swing low, sweet chariot, Coming for to carry me home” até "Mama, I'm Coming
Home" de Ozzy Osbourne.
A vida – simbolizada como uma
estrada ou um rio. Na música
há vários exemplos: “Born To Be Wild”, “Highway Star”, “Infinita Highway” etc. Nos
três exemplos citados, o eu poético tenta fazer da vida uma aventura, uma busca
pela almejada liberdade.
A morte – simbolizada por um
barco, um trem etc. Diversos são os exemplos de metáforas desse tipo: o mito de
Caronte, o barqueiro do Hades; “O auto da barca do inferno”, peça de Gil
Vicente; a música “Trem das sete” de Raul Seixas etc.
A palavra dura – aquele
ensinamento que é importante para o crescimento espiritual de um indivíduo ou
de uma comunidade, porém, inicialmente traz discórdia e não é imediatamente
aceito. Pode ser simbolizada por uma espada.
A efemeridade (ou dialética da natureza) – é a consciência de que tudo é fugaz, efêmero, passageiro. Uma fruta apodrecendo ou um dente-de-leão podem ser imagens representativas desse conceito.
Os animais também ocupam papéis
simbólicos.
Memória – elefante. É
personificado por Ganexa, deus da sabedoria no hinduísmo.
Fartura/potência sexual – o bode.
Exemplos são Pã, os faunos e os sátiros.
Pureza/fartura – a vaca.
Fidelidade – o cão.
Astúcia/magia/curiosidade – o
gato.
Poder/liberdade/visão – a águia.
Trabalho degradante – o burro.
Reprodução/multiplicação –
coelho/preá.
Sociedade/comunidade –
formigas/abelhas.
Sabedoria/mistério – coruja.
Para ler mais sobre o assunto, deixo links de outras postagens:
Narratologia (e a jornada do herói):
Alter egos:
A função do mito:
Ótimo Renan, você sempre nos enriquecendo com sua sabedoria e pesquisas.
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