terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Semiótica, Teoria Literária e arquétipos

Semiótica, Teoria Literária e arquétipos: ferramentas para a compreensão do texto.


A Semiótica (às vezes referida também como Semiologia) é a ciência que estuda todos os signos linguísticos: verbais, visuais, auditivos e múltiplos. Neste campo, alguns estudiosos de destaque são:

Charles Peirce (EUA) – filósofo, cientista, matemático e químico.
Roland Barthes (França) – filósofo e crítico literário;
Umberto Eco (Itália) – escritor, autor de “O nome da rosa” e crítico literário.

Alguns conceitos importantes da Semiótica:

Ícone - é uma representação que se assemelha ao objeto representado. Exemplo: uma fotografia se assemelha à pessoa retratada.

Índice - é uma representação que se relaciona ao objeto representado. Exemplo: uma pegada humana lembra-nos um ser humano (mas a pegada não se assemelha a ele).

Símbolo - é uma representação arbitrária feita em dado espaço-tempo. Possui um caráter cultural. Exemplos: uma letra para representar um fonema ou uma logomarca para representar uma empresa.


Metáforas e símbolos

A metáfora é a mãe de muita outras figuras de linguagem, também referidas como figuras de estilo ou de retórica ou de expressão.

Tanto a metáfora quanto o símbolo consistem em substituir uma coisa pela outra. A metáfora substitui uma palavra por outra, o símbolo substitui um conceito por uma imagem, por exemplo. Algumas vezes, metáforas e símbolos produzem o mesmo efeito, por isso a linguagem figurada por vezes é definida como uma linguagem simbólica.

Todos os textos (orais, escritos, visuais etc) são recheados de metáforas e símbolos. Não apenas os textos definidos hoje como literários (poemas, peças teatrais, narrativas ficcionais etc), mas qualquer forma de texto (conversas, diálogos, cartas, epístolas, notícia jornalística, propaganda, manifesto etc).


A alegoria

Uma palavra que define um conceito filosófico (abstrato) pode ser substituída por uma palavra imagética (visual) ou uma figura (concreta). Este é o caso da alegoria. 

Há infinitos exemplos de simbolização no dia a dia:

O dinheiro substitui a riqueza por um pedaço de papel ou metal;

A logomarca substitui/representa uma empresa ou produto;

A parábola substitui um enunciado moral por uma narrativa;

O exemplo substitui uma explicação geral (conceituação) por um caso particular.



A operação da linguagem

A linguagem (oral e escrita) pode ser compreendida tanto como uma operação alegórica quanto como uma operação simbólica. Ambas podem ocorrer simultaneamente ou serem didaticamente separadas:

Operação alegórica (do abstrato ao concreto) – o ato de substituir um pensamento ou sentimento (internos em um sujeito) por uma palavra que possa ser expressa a toda uma comunidade. Ou seja, o ato de transformar nossas percepções sensoriais (mundo psíquico) em palavras que as definam.

Operação simbólica (do concreto ao abstrato) – o ato de dar nome a objetos (do mundo exterior) rotulando-os com palavras é uma operação de abstração (simbolização do mundo exterior).

Estas operações possibilitam a existência da linguagem e definem o que muitos filósofos chamam de consciência.


Concretismo e poesia visual

O Concretismo e a Poesia Visual são conceitos literários do século XX e consistem em operar do abstrato ao concreto, ou seja, tomar a palavra (antes entendida como símbolo arbitrário) e aproximá-la do conceito de ícone, fazendo-a se assemelhar à imagem que ela representa.

Exemplo:
 O significante se assemelhando ao significado



                      


Metáfora, alegoria, símbolo e cultura

Da mesma forma que um sujeito para compreender a língua portuguesa deve estar inserido nessa cultura linguística, também para compreender um símbolo ele deve se inserir naquela cultura simbólica. A seguir alguns exemplos.

Na mitologia grega, o trabalho se Sísifo é uma alegoria que reflete a inutilidade de certas tarefas, convocando o homem a refletir sobre o seu trabalho. No mito, Sísifo passa a vida empurrando uma pedra morro acima, mas ela sempre rola abaixo quando atinge o topo.

Nas culturas orientais, a flor de lótus simboliza pureza espiritual, pois é uma flor que nasce em meio ao lodo.

As máscaras do teatro grego e da commedia dell’ arte italiana representavam estereótipos sociais, ou seja, tipos comuns de personalidade, facilmente reconhecíveis pelo público. No teatro moderno, porém, a máscara física foi substituída pela “máscara psicológica”.



Há que se destacar o trabalho do psicólogo Carl Gustav Jung na interpretação de fábulas, mitos e símbolos, bem como pelo conceito de "arquétipo" para entender as tais "máscaras psicológicas".

Alguns arquétipos conhecidos popularmente

Para C. G. Jung, os arquétipos são ideias primordiais no inconsciente coletivo. Essas ideias não possuem forma definida, mas são materializadas ou personificadas (alegoricamente) em símbolos visuais, narrativas, personagens etc. A simbolização ocorre de forma diferente em cada cultura, mas a ideia primordial (a essência) permanece a mesma já que essas ideias fazem parte de um inconsciente coletivo, logo, comum a toda a humanidade.

inúmeros arquétipos que representam a natureza humana. Como somos seres complexos, assumimos várias personalidades, cada uma em um contexto distinto. A seguir alguns exemplos que julgo recorrentes e importantes nos textos.

O pai castrador – é a qualidade controladora da nossa personalidade. É personificado em diversas culturas na figura de um pai ou um deus punitivo. Um exemplo é Odin na mitologia nórdica.

A mãe – é a qualidade amorosa da personalidade. Está ligada à fertilidade e nutrição. É personificada por Proserpina, deusa romana da fertilidade (Perséfone dos gregos); Gaia, a mãe-terra na mitologia grega; Ísis, na mitologia egípcia, Inanna, na mitologia suméria etc.

O pai amoroso – é a qualidade feminina no ser masculino, ou seja, o lado afetivo e criativo no homem, menos receoso de expor as emoções publicamente. Este é o traço de personalidade que Jung chamaria de anima. É personificado em diversas culturas na figura de um homem ou um deus, sempre bondoso, sensível e dado ao perdão. Pode ser pintado (representado iconicamente) como um homem de traços femininos.

A madrasta – é a qualidade masculina no ser feminino, ou seja, o lado violento, competitivo e vingativo na mulher. Este é o traço de personalidade que Jung chamaria de animus. É personificado por Hera (a vingativa esposa de Zeus) e as diversas madrastas dos contos infantis.

O velho sábio – diz respeito ao nosso conhecimento, ao nosso hábito de aconselhar e orientar. É personificado na figura de um mágico, mago, mestre, profeta, professor, guru etc. O mago Merlin é um exemplo, assim como Gandalf (em Senhor dos Anéis) e Dumbledore (em Harry Potter).

O velho conservador – é o lado conservador de nossa personalidade. Julga o presente de acordo com paradigmas passados. É mantenedor de tradições. Um exemplo seria o Velho do Restelo na obra “Os Lusíadas” de Camões.

O jovem rebelde – é o nosso lado revolucionário, inconformado, contestador que exige mudanças. Um exemplo é Bob da Família Dinossauro (seriado de TV).

O mensageiro – trata da nossa característica de levarmos recados que nem sempre são aguardados ou bem recebidos. Exemplos são: Hermes (na Grécia), Mercúrio (em Roma), Loki (na Escandinávia), Exu (orixá africano), Pombero (guarani).

O herói – ele é o nosso lado aventureiro. Na literatura ele é personificado em várias figuras que protagonizam as narrativas. Aquiles é um exemplo.

O rei prometido – é a nossa esperança de mudança de uma situação que não podemos mudar sozinhos. Um exemplo é o rei Arthur.

O duplo (ou alter ego)– é o lado obscuro da nossa personalidade, isto é, aquelas características que rejeitamos em nós mesmos por não conseguirmos conviver com elas. Nas narrativas aparece como o gêmeo mau, ou o irmão mau, sendo antagonistas do gêmeo bom ou do irmão bom. Exemplos podem ser vistos no conto “William Wilson” de Edgar Allan Poe e no famoso “Dr. Jekill and Mr. Hide” (R. L. Stevenson) que inspirou o Hulk dos quadrinhos.

O macho-alfa – é a vontade masculina de dominar ou se destacar em uma comunidade, indo muito além de apenas ser aceito. Um exemplo é o personagem Don Juan.

A fêmea-fatal – é a vontade feminina de se destacar em seu grupo social, indo muito além de apenas ser aceita. Exemplos são dos mais variados, desde Lilith até a mulher-gato das histórias em quadrinhos.

O andrógino ou hermafrodita – é uma identidade indefinida, esta assume características atribuídas aos dois sexos, porém causando estranhamento aos outros. Pode ser representada por um morcego (mamífero alado).

Édipo/ Electra – é o nosso sentimento ambíguo em relação aos nossos próprios progenitores; de um lado amor e admiração, de outro, ressentimento e rancor.


Também há inúmeros arquétipos que representam sentimentos e situações recorrentes na vida humana.

A terra prometida/o lar perdido – vontade de retorno à infância, nostalgia de nos sentirmos acolhidos como éramos na infância. Na música temos vários exemplos, desde o gospel “Swing low, sweet chariot, Coming for to carry me home” até "Mama, I'm Coming Home" de Ozzy Osbourne.

A vida – simbolizada como uma estrada ou um rio. Na música há vários exemplos: “Born To Be Wild”, “Highway Star”, “Infinita Highway” etc. Nos três exemplos citados, o eu poético tenta fazer da vida uma aventura, uma busca pela almejada liberdade.

A morte – simbolizada por um barco, um trem etc. Diversos são os exemplos de metáforas desse tipo: o mito de Caronte, o barqueiro do Hades; “O auto da barca do inferno”, peça de Gil Vicente; a música “Trem das sete” de Raul Seixas etc.

A palavra dura – aquele ensinamento que é importante para o crescimento espiritual de um indivíduo ou de uma comunidade, porém, inicialmente traz discórdia e não é imediatamente aceito. Pode ser simbolizada por uma espada.

A efemeridade (ou dialética da natureza)  – é a consciência de que tudo é fugaz, efêmero, passageiro. Uma fruta apodrecendo ou um dente-de-leão podem ser imagens representativas desse conceito.


Os animais também ocupam papéis simbólicos.

Memória – elefante. É personificado por Ganexa, deus da sabedoria no hinduísmo.
Fartura/potência sexual – o bode. Exemplos são Pã, os faunos e os sátiros.
Pureza/fartura – a vaca.
Fidelidade – o cão.
Astúcia/magia/curiosidade – o gato.
Poder/liberdade/visão – a águia.
Trabalho degradante – o burro.
Reprodução/multiplicação – coelho/preá.
Sociedade/comunidade – formigas/abelhas.
Sabedoria/mistério – coruja.


Para ler mais sobre o assunto, deixo links de outras postagens:

Narratologia (e a jornada do herói):


Alter egos:


A função do mito:

Um comentário:

  1. Ótimo Renan, você sempre nos enriquecendo com sua sabedoria e pesquisas.

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