sexta-feira, 3 de maio de 2024

O fazendeiro, o capataz e o agricultor

Três homens estavam na lavoura fazendo a conferência da produção de uvas: o rico fazendeiro, o bravo capataz e um pobre agricultor.

Quando regressaram do campo, presenciaram uma cena jamais imaginada por qualquer um. Toda a cidade tinha sido coberta pelas cinzas do vulcão próximo dali. A erupção acontecera há uns 10 dias, mas ainda havia pequenos focos de chamas sobre as cinzas.

Todas as casas estavam aparentemente destruídas. Não se via nenhuma residência, nem ruas. Tudo estava enterrado. Era impossível haver sobreviventes abaixo das cinzas e brasas ainda quentes.

Ao constatar que perdera a sua mansão e tudo dentro dela, o fazendeiro sentiu-se irado. "Não, não, não", gritava o fazendeiro. Então ele disse ao capataz: "Manda o agricultor ir às minhas terras e colocar fogo em todo o vinhedo, agora tenho apenas ódio e destruição no coração". E o fazendeiro jurou que a partir daquele momento seria o homem mais terrível do mundo. Que por onde passasse, levaria destruição e cinzas. E esbravejando a sua ira, caminhava sobre as cinzas que cobriam a cidade. Mas pisou num lugar oco que rompeu como um alçapão. E subitamente o fazendeiro atravessou por um solo maleável de cinzas, e caiu sobre um resto de lava incandescente. Em poucos minutos, ele era apenas carvão, depois cinzas, depois pó; que o vento levou. O rico fazendeiro não aceitou o destino, e foi consumido por ele.

O capaz nem teve tempo de cumprir as ordens do fazendeiro. Ele lamentava muito ter perdido o tanto que construíra. Mas lamentava ainda mais ter perdido toda a sua família. Então ele disse: "Agora tenho apenas tristeza no meu coração". E ele se deitou sobre as cinzas. E enquanto chorava no solo, uma nevoa fina de gazes tóxicos do vulcão se aproximou dele e o envenenou. E com o tempo as cinzas cobriram o seu corpo, transformando-o em uma estátua, eternizando a sua tristeza. O bravo capataz aceitou o seu destino, e foi paralisado por ele.

O agricultor teve um momento de revolta. Afinal, as poucas posses que perdera significavam muito para ele. E permitiu-se ter um dia de tristeza. Sofreu o luto por sua família soterrada nas cinzas. Mas ele, acostumado a trabalhar de sol a sol, e vendo uma pequena labareda sobre alguns galhos carbonizados, lembrou-se do Sol. Ele se deu conta de que o Sol parece um pequeno disco de fogo, mas que ilumina toda a imensidão de terra que os olhos podem ver. A Terra, portanto, deveria ser muito pequena em relação ao Sol, que devia estar muito distante. Do mesmo modo, pensou ele, os problemas de um  homem deviam ser muito pequenos comparados aos problemas de todo o mundo.

Então, o pobre agricultor reinventou-se diante do destino. Mudou-se de lá, construiu uma nova casa, melhor do que aquela que ele perdera, construiu uma nova família e tornou-se o imperador de seu próprio destino. Ainda que vivesse de forma humilde, tendo muito pouco, nada lhe faltava, incluindo a  felicidade, porque ele era rei de suas próprias mãos, que trabalham e constroem tudo do que ele precisa. Ele era o rei de seus próprios olhos, e de como deveria encarar os fados da vida. Ele era o rei de seu próprio coração, e portanto, dos sentimentos que deveria cultivar, para ter uma boa colheita.














Renan, blog Interlúdico, 03/05/2024

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