sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Roque Santeiro

 A indiscutível obra-prima das telenovelas brasileiras está de volta à TV, apresentada pelo canal Viva, de segunda a sábado a partir das 12h15min.

Escrita por Dias Gomes, autor também de outras obras geniais, como O Pagador de Promessas. Recomendo o excelente filme de 1962. 








A trama de Roque Santeiro

Uma cidadezinha singela vive do turismo e comércio religioso em torno de seu mártir, Roque Santeiro, executado por bandidos que invadiram a localidade há muito tempo, quando aquilo não passava de uma pequena vila.

Depois de morto, surgem algumas estórias, como a de uma criança doente que viu o espírito de Roque no riacho e de lá saiu curada; entre outros supostos casos de milagres e visões sobrenaturais.

Mas certo dia, um visitante misterioso chega a essa pequena cidade. E ele nota que o lugar está diferente de como era na sua juventude.

Esse visitante é Roque. Ele estava vivo todo esse tempo e não fazia ideia de que era considerado um santo na sua terra natal.

Obviamente, se descoberta a identidade do visitante, isso destruirá o mito de Roque Santeiro e com ele quase toda a economia local.

Mas ele só é reconhecido pelos habitantes mais antigos, da época que Asa Branca era uma vila. Esses poucos, sendo agora ricos e poderosos, farão de tudo para esconder a verdade do povo asabranquense.

O padre, que era contra a idolatria do mito de Roque, se vê obrigado a sustentar e mentira.

O poderoso fazendeiro, que tem um caso amoroso com a viúva de Roque, interessado que este continue morto e santo.

A famosa viúva Porcina, que a contragosto não é mais viúva de Roque, já que este nunca morreu, ficando obrigada a conviver com ele, sabendo que sua fama acabará se a verdade sobre o mito for revelada.

O prefeito de Asa Branca, que acabou de inaugurar uma estátua de Roque Santeiro, vê sua situação política em risco.

O rico comerciante de artigos religiosos sobre o mito de Roque Santeiro é mais um que, obviamente, perderia seu negócio se a farsa acabasse.


A crítica social

Essa obra deixa explícita a exploração da ingenuidade, o mercado da fé baseado numa mentira lucrativa.

E ataca os poderosos, cada qual com sua fraqueza pessoal bem demonstrada na trama. 

E critica também a inocência do povo humilde, carente de um salvador e que, cheio de imaginação, inventa estórias de milagres que na realidade nunca aconteceram.

Nenhum personagem é poupado, seja rico ou pobre, todos são analisados com olhar crítico:

O prefeito, capacho do rico fazendeiro;

O fazendeiro, capacho da mulher que deseja;

A viúva do santo, uma mulher promíscua, contrariando a razão de sua fama na cidade;

O professor, elogiado por seus discursos, mas nunca compreendido pelo povo, por causa do vocabulário arcaico que costuma empregar em suas falas;

O empresário, que apesar da riqueza material, é inseguro e ciumento, chegando ao absurdo de trancar a esposa no quarto, privando-a de qualquer contato social;

O padre e as carolas da igreja, contrariando a doutrina que seguem, vivem de fofoca e condenam a todos com base em julgamentos superficiais.

O mendigo que dorme bêbado no banco da praça e vez ou outra exalta aos berros o sistema monárquico com uma nostalgia inexplicável, já que nunca a viveu de fato.


A crítica comportamental

Além dos aspectos religiosos e políticos, a trama também se faz presente pela crítica comportamental.

Algumas mulheres, seja pela prostituição ou pela sedução, usam o sexo como moeda de troca a fim de obter favores e ganhar assim um pequeno poder temporário. 

Os homens, cautelosos e políticos na maior parte do tempo, são escravos de seus desejos sexuais,  tornando-se irracionais e temerários diante do objeto causador de sua lascívia.


Conclusão

ROQUE SANTEIRO é uma daquelas obras que, semelhante a O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, usam o humor para traçar um retrato fiel do povo brasileiro. Conhecer essas obras é essencial para compreender a nossa sociedade.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Antigo Egito

Tawy [em egípcio antigo], Aegypt [na raiz greco-latina], Mirs [em árabe atual]. O nome antigo do Egito [Tawy] significa "duas terras", ou seja, o Alto Egito [ao sul] e o Baixo Egito [ao norte, até o mediterrâneo]. O faraó usava uma coroa dupla simbolizando a unificação das duas terras.

A antiga palavra "Kemet" significa "terra negra" e referia-se à terra fértil nas margens do rio Nilo, em oposição à "Deshret", que significa "terras vermelhas/desérticas".

De todas as civilizações antigas [fenícios, persas, gregos, romanos etc] os egípcios são para mim os mais fascinantes. Obviamente a cultura greco-romana é de longe a mais influente em termos históricos. 

Todavia, as pirâmides do Egito são os monumentos mais impressionantes que qualquer civilização já construiu. 

Além disso, os hieróglifos, desenhos, esculturas, templos, estátuas gigantes e a Grande Esfinge de Gizé são objetos lindíssimos e sem precedentes em todas as culturas ao redor do mundo.



 









O antigo Egito em sua máxima extensão [no período do Império Novo].

Domínio sobre Biblos, Sidom e Tiro [cidades fenícias] e o Reino Cuxe ao sul






















A controvérsia da “raça egípcia”

Aplicar noções atuais de "raça" branca ou negra ao Antigo Egito é anacrônico. A história do Antigo Egito é milenar. Vários povos passaram e habitaram aquela região: assírios, fenícios [hoje sírio-libaneses], palestinos, núbios, hebreus, persas, gregos, romanos, árabes etc.

Porém, em 2017, um estudo genético foi conduzido com amostras de 151 múmias do norte do Egito, que estavam enterradas no Cairo, que constituiu o primeiro dado confiável obtido dos antigos egípcios usando métodos de sequenciamento de DNA de alto rendimento. O estudo mostrou que os antigos egípcios têm grande afinidade com povos modernos do Oriente Médio. Ainda assim, essa amostra representa uma fatia pequena daquela população e a maioria dos acadêmicos rejeita a ideia de que o Antigo Egito era composto de um povo homogêneo. A cor da pele variava por região [Alto Egito, Baixo Egito e Núbia] e em eras diferentes cada um desses povos subiu ao poder.


A gravura do Livro dos Portões, encontrada em túmulos do Novo Reinado, mostra as etnias conhecidas pelos egípcios até então:

Da esquerda para a direita: Líbio, núbio, semita, egípcio.












Linguisticamente, o egípcio antigo é um idioma quase isolado, tendo algumas similaridades com línguas semíticas [Oriente Médio] e línguas berberes [norte da África ocidental].


Raotepe e sua esposa Noferte (Museu do Cairo)
Raotepe era irmão do faraó Quéops, ambos filhos de Seneferu.






O Reino Cuxita (Kush ou Cuxe) localizava-se na Núbia, atual Sudão [ao sul do Egito]. Era muito rico em ouro. Na história do povo cuxita houve períodos de guerra contra o Egito, mas também convivência, e um período de dominação do Egito, que durou pouco mais de 1 século. Este período é conhecido como a era dos faraós negros. 


Periodização [meus destaques pessoais]

Império Antigo (2686 a 2181 a.C.) - capital: Memphis; necrópoles: Saqqara e Giza (Gizé).

Império Médio (2050 a 1710 a.C.) - capital: Tebas

Império Novo (1539 a 525 a. C.) - inclui o reinado de Ramsés II; necrópoles: Vale dos Reis e V. das Rainhas

Domínio persa (curto período, antes da conquista macedônica)

Período Ptolomaico ou Helenismo (332 a 30 a.C.) - capital: Alexandria.

Período Romano: a partir de 30 a.C.

Cristianização do mundo romano: a partir de 337 - destruição da biblioteca de Alexandria. 

Parte do Império Bizantino: a partir de 395

Expansão islâmica [árabes]: 632-661

Egito Otomano: 1517-1867 e invasão napoleônica (1798)

Colônia britânica

Independência do Egito (1922) e fundação da república (1953)


Cronologia de faraós [meus destaques pessoais]

Djoser - construção da primeira pirâmide do Egito [2.648 a.C.], em Sakkara, pelo arquiteto Imotep.

Seneferu - construção da pirâmide curvada e da pirâmide vermelha, em Dashur. Era pai de Quéops.

Quéops [2.589 - 2.566 a.C] - construção da primeira pirâmide de Gizé, seguido por seu filho Quéfren e seu neto Miquerinos.

Os Reis do Sol, com destaque para o rei Unas, pois sua pirâmide em Sakkara foi a primeira a ter inscrições e esses textos são os textos religiosos mais antigos já encontrados no mundo.

Faraó Aquenáton e rainha Nefertiti [1.370–1.330 a.C.]

Nefertiti: escultura da época de seu reinado








Tutancâmon e sua rainha Anksenamon [1.341 - 1.323 a.C.] 

Ramsés II, apelidado Ozymandias [1279 - 1213 a.C.] também conhecido como Ramsés, o Grande.

Dinastia núbia [reino Kush] - faraós negros, originários do atual Sudão [770 a 657 a.C.] - durou 113 anos. Curiosidade: O Sudão é o país com mais pirâmides no mundo.

Alexandre, o Grande: fundação de Alexandria em 331 a.C - início da dinastia macedônica, período conhecido como Helenismo - disseminação da cultura grega.

Ptolomeu - Alexandre da Macedônia foi proclamado faraó. Após sua morte, o general macedônio assumiu o trono egípcio. A partir daí, várias gerações de faraós macedônicos reinaram até 30 a.C. - durou exatamente 300 anos.

Cleópatra [falecida em 30 a.C.] - Seu nome era Cleópatra VII Filopátur [tradução: a sétima filha do pai, amada pelo pai].

A última rainha macedônica era poliglota e grande estudiosa de várias disciplinas, por isso talvez fosse a mulher mais culta de sua época. Sua morte marca o início da dominação romana. Antes, foi aliada do grande general de Roma: Caio Júlio César. Após o assassinato deste, ela aliou-se ao militar romano Marco Antônio, numa tentativa infrutífera de proteger seu reino. Mas foram derrotados e o imperador Augusto, sobrinho-neto de César, passou a controlar o Egito.

Ela teve um filho com Júlio César [Ptolomeu Cesarion] e três com Marco Antônio: um casal de gêmeos, Alexandre Hélio [Alexandre Sol] e Cleópatra Selene [Cleópatra Lua]; e o caçula Ptolomeu Filadelfo.


Cleópatra em uma moeda de sua época







Busto de Cleópatra esculpido em Roma
na época em que a rainha visitou a cidade.













Retratos de Fayum: pinturas sobre os caixões de múmias do Egito no período romano
















Observação: A atual polêmica sobre a cor dos egípcios antigos e a cor de pele da rainha Cleópatra [sua etnia e raça] não têm base histórica, mas sim ideológica, baseada em conceitos restritos e arcaicos de "raças" humanas. É um debate pseudocientífico e contraproducente. Não há mistérios neste mundo para a verdadeira Ciência, que já explicou, com riqueza de detalhes factuais, questões muito mais complexas, como a origem do Universo, a origem da vida e sua evolução. No mundo científico não há espaço para falácias e bobagens conspiratórias. As pirâmides e o Serapeum não foram construídos por alienígenas. O povo egípcio antigo era semítico-africano e também misto, com variações na cor de sua pele. O verdadeiro rosto de Cleópatra nunca foi um mistério. E desde Eratóstenes [Cirene 276 a.C - Alexandria 194 a.C.] o formato da Terra redonda já era conhecido.


Vídeo explicando o cálculo da circunferência da Terra, feito por Eratóstenes em Alexandria:




Dica de leitura: A Pedra da Luz - Nefer, o Silencioso [clique no link para ler minha análise do livro]



















Curiosidade para pesquisar:

Máscara mortuária de Tutancâmon





















A máscara cobria o rosto do faraó mumificado, dentro de 3 sarcófagos. A descoberta de seu túmulo foi considerada revolucionária e uma das mais importantes do séc. XX, graças à persistência do arqueólogo Howard Carter (Kensington 1874 - Londres 1939).


Curiosidade para você pesquisar:
Serapeum - Sakkara (ou Saqqara) - 24 túmulos gigantes, colocados num enorme corredor, para os touros sagrados.





Sobre a origem dos antigos egípcios, assista ao vídeo a partir do minuto 38:23


Segundo o estudo acima, baseado principalmente em anatomia, genética e linguística, os povos do norte da África, como os berberes, os líbios e os egípcios são descendentes de povos que vieram da Anatólia [atual Turquia] e do Oriente Médio. Estes tinham a pele clara e são os ancestrais dos povos indo-europeus e semíticos.

Já ao sul do Egito, na Núbia, os povos tinham a pele escura, como já foi falado aqui nesta postagem.


Acima, um vídeo sobre a questão étnico-racial no Egito.